Vamos abrir este artigo com uma provocação? Ainda não sobre os espaços, mas sobre as crianças e jovens. Qual semelhança existe entre os nascidos nestes últimos dez anos e aqueles nascidos há 30, 40 ou 50 anos atrás?
É possível afirmar que suas expressões naturais mudaram, ou apenas as ofertas que apresentamos a eles mudaram? Eles estão mais interessados no mundo eletrônico por conta de sua “evolução natural” ou nós estamos os tornando assim?
Qual é o peso da ancestralidade dos seres humanos na relação com o mundo digital? Quanto importa a sensação de liberdade na construção dos saberes, no desenvolvimento do corpo, na experimentação da felicidade, no exercício da criatividade e nas relações sociais?
Acredite. Há algum tempo estamos tentando imprimir um modelo cada vez mais fechado de escola, afastando as crianças e jovens do contato com o mundo externo. Mas eles precisam muito menos de paredes e muros, e bastante mais das ricas ofertas dos espaços externos.
Logo de início, a NATUREZA!
Céu azul, sol e calor. Céu nublado, brisa fresca e a umidade do ar. Nuvens brancas multiformes a sugerir ao imaginário as formas desenhadas em semelhança. A chuva que exemplificam o ciclo das águas e o saciar da sede da terra, das plantas e dos animais. Observe a riqueza que nos atrevemos a perder!
Vamos ao chão? A textura, as cores e os aromas do solo, das vegetações e o movimento dos pequenos seres vivos. O abrir de uma semente para dar espaço ao broto da vida, a busca da raiz pelo solo fértil e o crescer das plantas. Folhas que caem verdes e gradativamente se ressecam, até voltar a ser terra. O surgir do fruto e seu crescimento até o madurar. Colheita.
Como tão bem colocado por Gandhy Piorski em sua obra “Brinquedos do chão: a natureza, o imaginário e o brincar”:
“Como primeiro chão do trabalho, proponha a materialidade do brinquedo e do gesto do brincar que se fazem brincadeira ao carregar, como sustentação ou fonte de expressão, um inconsciente: os quatro elementos da natureza. Se bem observado, é possível detectar linguagens, corporeidades, materialidades e sonoridades do brincar associadas a esse inconsciente natural que mora no imaginar e, constantemente, se mostra no fazer das crianças.”
Este contato está diretamente ligado àquilo que somos, porque somos natureza. É muito proveitoso que os corpos de todos nós sintam o pulsar do universo por intermédio de suas manifestações. Aquecer ao sol, refrescar na brisa ou na chuva, tocar o chão e sentir sua temperatura. Somos parte e precisamos alimentar o amor à natureza com o convívio, antes da regra.
Aprendizagem não é só conteúdo
Muitos são os estudiosos, os pesquisadores, os acadêmicos e os teóricos da educação que defendem a tese de que é preciso reconhecer a importância da construção das aprendizagens considerando a pessoa como um todo. Por se tratar de um direito da criança de se desenvolver de forma completa, para nós, educadores, passa a ser uma obrigação.
Certamente se espera da escola que entregue desde os primeiros movimentos de letramento e alfabetização até as mais complexas equações matemáticas, fórmulas químicas e físicas, geografia, história, e tudo o que consideramos como conteúdo.
Mas o conceito de aprendizagem vai muito além da bagagem técnica sobre as matérias. É preciso cuidar da formação da pessoa em sua completude emocional, física e social. É neste ponto que os espaços externos apresentam sua força.
Quando oferecemos às crianças e jovens os prazeres e as possibilidades encontrados do lado de fora das salas de aula o que estamos a construir é exatamente a ponte que liga o conteúdo às outras aprendizagens, formando um saber mais amplo e genuíno.
Abrir as portas e janelas de nossas salas e permitir o uso dos espaços externos são uma das maneiras de derrubar as paredes erroneamente construídas entre seres humanos e a natureza, e entre os conteúdos e a aprendizagem. Todos devem caminhar juntos. As infâncias e os saberes em sua integralidade.
Com o pouco se pode muito
Sabemos que os espaços físicos de nossas escolas, em muitos casos, não contam com ofertas muito generosas de possibilidades de espaços externos, especialmente nas grandes cidades. Mas isso não pode nos condenar à inércia. Há sempre algo a ser conseguido.
Tanques de areia, pequenos gramados, uma árvore ou uma horta já podem ser muito significativos. Se nada estiver ao alcance, uma praça pública, um parque ou até mesmo um terreno baldio pode ser interessante. O primeiro muro e o mais importante a ser derrubado é o de nossa iniciativa. Saia da sala com as crianças!
Mesmo entre aqueles que já têm em suas escolas amplos espaços externos com maior gama de possibilidades, há ainda os que não fazem uso deles. Se até nós que habitamos o mundo adulto por vezes precisamos “sair para respirar” e buscamos nos refazer com micro pausas em um espaço externo, porque não fazemos isso pelos pequenos?
As paredes da sala de aula não são o problema. As que construímos em nós é que precisam ser derrubadas. É preciso conhecer melhor a infância, seus direitos, seus desejos e suas necessidades e compreender de uma vez por todas que existe vida e aprendizagens lá fora, nos contatos com a natureza e com os outros.
Não há mais espaços para os muros!
*Fotos: escola Semear e arquivo pessoal