Quem foi Loris Malaguzzi?
Aos 23 de fevereiro de 1920, na comuna de “Correggio”, a aproximadamente 20 quilômetros de distância da cidade de Reggio Emilia, nascia o pequeno “Loris”. Anos após, este pequeno jovem cravaria seu nome no mundo da educação com sua sensibilidade e conhecimentos.
Malaguzzi iniciou sua carreira docente nas escolas primárias de sua região, após formar-se em Pedagogia pela Universidade de Urbino em 1940.
Entretanto, logos após o final da segunda guerra mundial, em meados de abril de 1945, quando se mudou para Reggio Emilia para fazer parte de um projeto social de operários camponeses, que seu nome seria escrito definitivamente na história.
Malaguzzi soube da possível abertura de uma escola. Escola que estava sendo construída por pais e interessou-se em saber mais e mais.
Pedalando sua bicicleta por entre a ruína deixada pela guerra, Loris encontrou duas mulheres trabalhando avidamente na recuperação de tijolos vindos das paredes destruídas pelas bombas, com a finalidade de reconstruir sua importância e ressignificá-los, na construção das paredes de uma escola.
Aquele povo simples decidiu reconstruir suas vidas a partir das escolas. Suas ferramentas foram adquiridas com a venda de caminhões, tanques de guerra e seis cavalos abandonados pelos alemães, informações que podem ser encontradas com mais detalhes na obra As cem linguagens das crianças (Editora Penso). As armas e utensílios usados na destruição agora eram fonte de um recomeço.
Tocado profundamente por este espírito, Malaguzzi jamais foi embora de Reggio Emilia, exceto para formar-se em psicologia em Roma. A construção de seu currículo se mistura reconstrução da cidade numa história que mudaria o rumo da educação.
Quem sabe não devamos corrigir a pergunta. Ao invés de: “quem foi”, será mais adequado “quem é” Loris Malaguzzi?
Quais as contribuições de Loris Malaguzzi para a educação infantil?
Acredita-se que o marco zero de sua filosofia tenha se dado numa reunião de pais marcada para discutir sobre as dificuldades das crianças com a língua italiana, pelo uso de dialetos locais, bem como das posturas conservadoras dos professores. A ideia era colher sugestões destes pais, mas ali nasce um preceito: “tudo sobre as crianças e para as crianças somente pode ser aprendido com as crianças”.
Unindo princípios como: o protagonismo da criança, a escuta ativa, o pensamento crítico, a arte e a documentação; nasce aquilo que hoje conhecemos por abordagem Reggio Emilia. A primeira escola infantil (para crianças pequenas de 3 a 6 anos) criada a partir desta abordagem se deu em 1963.
Não é possível elencar as contribuições de Malaguzzi para a educação infantil. A profundidade de suas ideias é objeto de estudo ainda nos dias de hoje. A mesma dificuldade encontrada por ele naquela reunião de pais, onde buscavam discutir uma escola mais “aberta” às necessidades, desejos e direitos das crianças, ainda está presente em nossas escolas.
Entretanto, a busca cada vez maior pelo estudo, conhecimento e aprofundamento de sua abordagem são a prova cabal de que o desejo de construir e reconstruir a escola, não apenas abrindo suas portas, mas ampliando-a para além de suas paredes, é a mais sólida contribuição de Malaguzzi.
Compreender a infância e suas particularidades, dar espaço, escuta e afeto. Não permitir que seja necessária a interrupção da infância para que haja o aprendizado, mas ao contrário, promovê-lo a partir das aptidões e anseios das crianças. Um conceito que aproxima a criança dos saberes a partir de seus desejos.
A construção da proposta pedagógica de Reggio Emilia
A partir da construção dos pensamentos de Loris Malaguzzi nasce o projeto educativo da cidade de Reggio Emilia.
A escola onde a criança desempenha um papel ativo na construção de seu próprio conhecimento e do conhecimento coletivo. Fazer deste lugar um verdadeiro laboratório permanente, interligando os processos de pesquisa para evoluir constantemente, esse sempre foi um grande desafio.
Sua ideia é a de uma escola onde todos desejem estar. Pais, professores e crianças, onde as aprendizagens não sejam simplesmente entregues, mas sejam construídas a partir das condições favoráveis a serem ofertadas. Destacamos também:- Foco na criança, não no tema a ser ensinado.
– Comunicação integral dos temas, sem dividi-los e setores.
– Projeto, não programação.
– Mais atenção ao processo que ao produto.
– Observar, documentar, comparar e discutir processos individuais e de grupos.
– Formação e autoformação de professores.
O que são as cem linguagens de Loris Malaguzzi?
“A criança é feita de cem.
A criança tem cem mãos, cem pensamentos, cem modos de pensar,
de jogar e de falar.
Cem, sempre cem modos de escutar as maravilhas de amar.
Cem alegrias para cantar e compreender.
Cem mundos para descobrir. Cem mundos para inventar.
Cem mundos para sonhar.
A criança tem cem linguagens (e depois, cem, cem, cem),
mas roubaram-lhe noventa e nove.
A escola e a cultura separam-lhe a cabeça do corpo.
Dizem-lhe: de pensar sem as mãos, de fazer sem a cabeça, de escutar e de não falar,
De compreender sem alegrias, de amar e maravilhar-se só na Páscoa e no Natal.
Dizem-lhe: de descobrir o mundo que já existe e, de cem,
roubaram-lhe noventa e nove.
Dizem-lhe: que o jogo e o trabalho, a realidade e a fantasia, a ciência e a imaginação,
O céu e a terra, a razão e o sonho, são coisas que não estão juntas.
Dizem-lhe: que as cem não existem. A criança diz: ao contrário,
as cem existem.”
Este poema escrito por Malaguzzi é um resumo de sua crença de que a criança deve ser respeitada em todas as suas formas de se comunicar com o mundo. Imaginação, sonhos, o chão e o céu, o maravilhar-se e o descobrir-se capaz.
Loris Malaguzzi e seu legado
Por tudo o que aqui já foi dito, e por tudo o que ainda há de se aprofundar e conhecer da obra de Loris Malaguzzi é absolutamente correto afirmar que estamos a falar de um dos mais importantes educadores da história contemporânea.
O tipo de escola e aprendizado defendido e criado por ele permanece vivo ainda nos dias de hoje, e é uma inspiração a ser seguida.
Loris se foi em 1994 aos 74 anos de idade, mas suas ideias permanecem vivas em nós.
Onde houver um educador disposto a dar escuta, protagonismo, respeitando o ritmo e o tempo da criança, ofertando-lhe o caminho ao invés do endereço, compreendendo e respeitando as rotas escolhidas, ali estará a presença e o legado deixado por ele.