Em um mundo onde muitas escolas ainda operam sob modelos rígidos e formatos padronizados, a Escola da Ponte se destaca como um exemplo de que é possível fazer diferente. Localizada em Vila das Aves, Portugal, essa escola pública, criada em 1976, propõe uma outra maneira de viver a educação: um projeto coletivo que desafia a lógica tradicional e coloca no centro a autonomia, o diálogo e a corresponsabilização.
Na Ponte, os espaços não são salas de aula no sentido convencional, mas ambientes de trabalho abertos, onde livros, dicionários, computadores e outros recursos estão ao alcance de todos. Os alunos são acompanhados por professores que atuam como orientadores educativos, assumindo o papel de tutores e parceiros na aprendizagem. Não há um currículo fechado, mas uma construção dinâmica de saberes, ancorada em seis dimensões: linguística, lógico-matemática, naturalista, identitária e artística, pessoal e social.
A escola funciona como uma pequena comunidade democrática, em que crianças e jovens são convidados a tomar decisões, resolver problemas, planejar o próprio tempo e participar ativamente da construção do espaço coletivo. Dispositivos como o plano da quinzena, o plano do dia, o “eu já sei”, o “preciso de ajuda”, o “posso ajudar em…”, a Comissão de Ajuda, a Assembleia de Escola, o Clube de Leitores e o Jardim da Poesia são exemplos concretos de como a escola transforma a teoria da autonomia em prática cotidiana.
O Contrato de Autonomia é um dos pilares dessa organização singular, conferindo à escola uma estrutura de gestão própria, com órgãos como o Conselho de Direção, o Conselho de Gestão, o Conselho de Projeto e o Conselho de Pais/Encarregados de Educação. Essa estrutura reflete a ideia de uma escola gerida por todos, onde a participação efetiva da comunidade é fundamental para sustentar o projeto.
A Escola da Ponte também integra o Programa Eco-Escolas, reconhecido pela Associação Bandeira Azul da Europa (ABAAE), reforçando o compromisso com a sustentabilidade e a educação ambiental como parte da formação cidadã.
Em 2023/2024, a autoavaliação da Escola da Ponte trouxe uma análise profunda e participativa do trabalho desenvolvido. Com mais de 90% de participação de alunos e encarregados de educação, o relatório destaca a qualidade do clima escolar, a valorização da diversidade, o respeito mútuo, a promoção da autonomia e a capacidade da escola de acolher e apoiar todos os alunos, inclusive aqueles com medidas adicionais de apoio à aprendizagem e à inclusão. Mais de 85% dos alunos afirmam sentir-se respeitados, valorizados e ouvidos, e a escola mantém uma taxa de abandono escolar nula. O relatório reafirma que a Ponte é um projeto sólido, vivo e necessário, destacando recomendações como o fortalecimento da tutoria, a ampliação dos espaços de escuta e a continuidade das práticas democráticas e colaborativas que sustentam o projeto.
Tive a alegria de conhecer de perto essa escola que, por tantos anos, me inspirou a sonhar com outras possibilidades de educação. Esta não é a primeira vez que a Diálogos visita a Escola da Ponte. Já estivemos aqui algumas vezes, e a experiência é sempre assim: tocante, provocadora, inesquecível. Cada encontro com a Ponte renova o desejo de sonhar com outras escolas possíveis, e a certeza de que, sim, outra educação é viável.
A Diálogos realiza viagens pedagógicas pelo mundo. Já são 75 viagens realizadas, e esta foi a sexta vez que trouxemos educadores brasileiros para viver experiências pedagógicas em Portugal. Além da Ponte, visitamos a Escola Artística António Arroio, em Lisboa, uma escola secundária pública dedicada às artes visuais e audiovisuais, onde os alunos têm a oportunidade de explorar diferentes linguagens artísticas e desenvolver projetos autorais, conectando teoria e prática em um ambiente de intensa criatividade. Também tivemos a honra de participar de uma aula especial com o professor António Nóvoa, reitor honorário da Universidade de Lisboa, que nos provocou a pensar sobre o futuro da escola, a função social do conhecimento e o papel dos educadores na sociedade contemporânea.
E já temos novidades para o próximo roteiro em Portugal: a Diálogos trará um novo grupo de educadores para uma experiência formativa em colaboração com o Vindas, coletivo conduzido por David Rodrigues e Luzia Lima-Rodrigues, que promove encontros para pensar a educação inclusiva e democrática, em diálogo com práticas contemporâneas.
Estar na Ponte é aprender a perguntar antes de responder, a colaborar antes de competir, a cuidar antes de cobrar. É entender que escola não é lugar de entregar tarefas prontas, mas de construir, juntos, caminhos possíveis.
A Escola da Ponte segue de pé, porque sua raiz não está num prédio, num método, nem mesmo num nome, mas em uma maneira de estar no mundo.