De professor para professor

Um convite a repensar a aprendizagem com Papert e Mindstorms

Ana Paula Azevedo

18 nov 2025

4 min de leitura

O que Mindstorms ainda nos ensina sobre aprender

Depois de dias intensos ao redor dos lançamentos de Mindstorms, ficou evidente algo que atravessou conversas, encontros e escutas: a urgência de revisitarmos Papert, não como memória, mas como horizonte.

Mindstorms, publicado originalmente em 1980 — ainda com o título Logo: Computadores e Educação — inaugurou uma virada profunda no pensamento educacional ao apresentar as bases iniciais do construcionismo, uma abordagem que afirma que crianças aprendem melhor quando constroem algo significativo: um objeto, uma ideia, uma hipótese, um projeto, uma narrativa.

Aprender fazendo, experimentando, errando e recomeçando cria a ponte entre pensamento e ação. Essa percepção ressoa de forma profunda com o trabalho que realizamos com a primeira infância. Hoje, quase meio século depois, a obra se torna ainda mais essencial.

1. Por que Mindstorms importa desde a Educação Infantil?

Porque Papert tocou em algo que nós, que atuamos com crianças pequenas, conhecemos de perto: elas pensam com as mãos, com o corpo, com os objetos, com a imaginação.

Produzem conhecimento ao manipular materiais, construir explicações, criar teorias provisórias, fazer perguntas e transformar o cotidiano em laboratório.

Na sua passagem pelo Brasil, Mitchel Resnick reforçou exatamente isso. Na CBAC e em entrevistas recentes, ele lembrou que a criatividade precisa estar no centro da escola, e que isso exige mudanças estruturais, mentalidades e abrir espaço para projetos reais, significativos e colaborativos.

Ele mencionou a abordagem de Reggio Emilia justamente como um exemplo vivo de uma educação que reconhece o pensamento das crianças em ato.

2. Piaget, Papert e o encontro entre construtivismo e construcionismo

Papert foi aluno e colaborador de Jean Piaget, um dos maiores pesquisadores do desenvolvimento infantil no século XX. Mas ao avançar suas próprias investigações, deu um passo além.

Piaget observou que a criança constrói conhecimento a partir de suas ações e interações.

Papert, dialogando com esse legado, passou a explorar como materiais, linguagens, máquinas e ambientes poderiam intensificar esse processo, tornando o pensamento visível, manipulável e compartilhável. Assim nasceu o construcionismo.

Se para Piaget o conhecimento se organiza internamente, para Papert ele se fortalece quando se manifesta externamente em projetos, investigações, objetos, códigos, construções e explorações que ganham forma no mundo.

É nesse gesto de projetar algo, transformar uma ideia em existência material e revisitar esse processo que a aprendizagem se aprofunda.

3. Construcionismo, Aprendizagem Criativa e o papel da escola

Aprender não é receber instruções: é criar significado.

Essa ideia atravessa Papert, Piaget, Resnick e as abordagens participativas da educação para a infância, como Reggio Emilia. E se torna ainda mais urgente em tempos de inteligência artificial.

Nas conversas recentes com Resnick, ficou claro que a tecnologia só faz sentido quando amplia o que há de mais humano nas crianças: o desejo de perguntar, imaginar, explorar e criar.

Em um mundo em que algoritmos oferecem respostas prontas, Mindstorms nos devolve a pergunta essencial, válida da Educação Infantil ao Ensino Médio:

Como criar oportunidades para que crianças pensem com rigor, imaginação e autonomia, com ou sem computador?

Por isso, a mensagem de Papert e a de Resnick se encontram: a tecnologia não substitui professores, nem reduz a escola à eficiência. Ela deve ampliar projetos, escolhas, curiosidade, diversidade de linguagens e expressão.

4. Estudar Mindstorms desde a Educação Infantil é reconhecer que:

  • crianças, mesmo muito pequenas, constroem conhecimento quando têm a oportunidade de explorar, levantar hipóteses, testar ideias e transformar a experiência em criação.
  • É assumir que espaços, materiais e interações funcionam como convites ao pensamento, e que a autoria nasce justamente desse encontro entre corpo, imaginação e mundo.

Ao revisitar Papert, percebemos como suas ideias iluminam questões que atravessam todas as etapas da escola:

  • como favorecer investigações genuínas?
  • como apoiar processos em vez de apenas resultados?
  • como criar contextos em que as crianças expressem suas teorias, revisem, aprofundem e compartilhem?

Nesse cenário, a tecnologia aparece como mais uma linguagem — não como destino. Ela amplia modos de pensar, criar e comunicar, mas não substitui aquilo que é essencial: encontro, investigação, diálogo e materialidade das experiências.

Estudar Mindstorms é assumir uma pergunta que precisa atravessar planejamentos, ambientes, práticas e formações docentes:

Como criamos oportunidades reais para que crianças pensem, experimentem e inventem?

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