Nesta semana (09/12/25), no seminário Retratos da Leitura no Brasil, sentei para ouvir um painel sobre bibliotecas e saí pensando, sobretudo, nos mediadores de leitura. Pensando sobre gente de carne e osso que faz a ponte entre livro e leitor, entre história e vida, entre página e território.
O painel “Livros e leitura transformando vidas e sociedades” reuniu Jorge Moisés Kroll do Prado, Márcia Cavalcante e Bel Santos Mayer, com mediação de Dolores Prades. Cada fala trouxe perguntas urgentes: como formar leitores em contextos tão desiguais? Qual o papel das bibliotecas? Quem são, afinal, as pessoas que sustentam diariamente essa tarefa silenciosa e indispensável que é mediar leitura?
Entre tantas contribuições, para mim, foi a fala de Bel Santos Mayer que deslocou o ar.
Mediadores: quem fica no meio do caminho entre o livro e o leitor
Bel falou a partir do chão das bibliotecas comunitárias. Um chão que conhece vozes, histórias, ausências e presenças, e que evidencia que mediador de leitura não é quem recomenda livros, mas quem se coloca no meio:
- entre o texto e quem chega;
- entre o silêncio e a palavra;
- entre uma vida e outra.
Ninguém se transforma apenas porque ouviu “você devia ler”. As pessoas se transformam quando alguém senta junto, lê junto, pergunta, escuta. Quando a leitura acontece porque existe relação.
Bel chamou isso, com precisão, de mediação como gesto relacional e político.
Os “melhores erros” que nos fazem avançar
No trabalho com jovens e comunidades, Bel e sua equipe colecionaram aprendizados que ela chama de “melhores erros”. Entre eles:
- achar que mediação é só para quem ainda não sabe ler, até perceber que adolescentes e adultos também precisam que alguém leia com eles;
- limitar a leitura infantil ao começo da escolarização, até notar que a escola abandona aqueles que já decodificam;
- repetir sempre os mesmos autores, até decidir praticar uma verdadeira biodiversidade de leituras: indígenas, negras, periféricas, clássicas ou recém-publicadas.
Esses erros transformados em repertório mudam a pergunta.
Não é mais “como fazer alguém ler?”, mas:
“Como posso estar junto dessa pessoa enquanto a leitura acontece?”
Pequenas revoluções: um leitor que puxa outro
Entre as imagens mais potentes da fala de Bel está a ideia das pequenas revoluções.
Em encontros de formação, ela costuma lançar um convite simples:
Cada leitor aproximar ao menos uma pessoa não leitora.
Nada grandioso.
Nada espetacular.
Apenas um leitor puxando um não leitor, ano após ano.
Se cada mediador, cada professora, cada bibliotecária assumisse esse compromisso, os números nacionais continuariam importantes, mas deixariam de nos paralisar. O futuro da leitura é feito desse gesto miúdo e insistente.
Fofoca literária, círculos de leitura e outras pequenas práticas
Bel também compartilhou práticas que têm dado certo:
- ler em voz alta com todas as idades;
- criar círculos de leitura em que todos comentam, discutem e discordam;
- e a deliciosa fofoca literária: falar dos personagens como quem comenta uma novela.
Essa fofoca do bem cria uma rede afetiva ao redor dos livros.
A leitura entra na vida como assunto, e não como obrigação.
Oralidade e território: onde a leitura começa
Quando a mesa foi provocada a falar sobre oralidade, a resposta foi unânime: ela é parte constitutiva da formação leitora. É memória, é território, é comunidade.
Bel e os demais convidados reforçaram:
- a riqueza das tradições orais nos territórios populares;
- o papel das bibliotecas como espaços de registro, circulação e escuta;
- a necessidade de valorizar vozes, sotaques e modos de narrar.
Bibliotecas, nesse sentido, não são depósitos de livros; são casas de encontro.
O que isso pede de nós
Falar de mediação é falar de um trabalho artesanal, lento e político.
Exige:
- formação continuada de mediadores;
- revisão das grades de biblioteconomia;
- políticas públicas que valorizem a mediação, não apenas o acervo;
- e um compromisso individual e coletivo: um leitor a mais.
A mediação vive nesse entrelugar: entre política e afeto, dado e história, livro e mão que o oferece.
A pergunta que fica é:
“Quem, nos nossos contextos, está fazendo essa ponte? E como fortalecê-los para que as pequenas revoluções continuem acontecendo?”