Você sabia que o mês de abril é lembrado como um mês dedicado à conscientização do TEA (Transtorno do Espectro Autista)? Tratar da inclusão de pessoas com deficiência dentro do ambiente escolar ainda é um desafio no Brasil, não apenas no caso do autismo. A cultura capacitista enraizada, o preconceito e as barreiras que muitos colocam na convivência com o diferente podem levar a um ambiente de exclusão e violência. A Diálogos conversou sobre esse assunto com Mariana Rosa, jornalista, mestranda em Educação pela USP e fundadora do Instituto Cáue. Ela, que é também é ativista pelos direitos das pessoas com deficiência, mostra os caminhos e os equívocos que as pessoas geralmente reproduzem. “Existem, no mínimo, 7 bilhões de formas de ser normal nesse mundo. O que precisa melhorar são os pactos e as formas de convivência, arranjos de cooperação e colaboração, não a pessoa com TEA ou com outras deficiências. É mais sobre as barreiras que o mundo constrói do que sobre a experiência individual”. Veja trechos desse bate papo!
A Educação é um direito de todas as pessoas
“A escola é um direito humano e as pessoas com deficiência são sujeitos, não objetos de filantropia ou caridade como acontecia no passado. O acesso à educação não cabe barganha ou negociação. Tem que ser cumprido. A noção de que os profissionais têm que ser ‘sensibilizados’ já parte do princípio de uma assimetria de poder, em que a comunidade escolar – que majoritariamente não está em situação de deficiência – se acha na posição de decidir quem pode e quem não pode acessar a escola. O caminho deve ser de uma ampliação do repertório do professor, para que ele possa desenvolver práticas pedagógicas que sejam diversificadas e que atendam os diferentes estudantes nas suas diferentes demandas. Cada pessoa tem seu tempo, seu modo, sua forma de ser e estar no mundo e de aprender. Estamos vivendo um momento em que falta repertório para conviver na diferença. Quando isso acontece, há margem para a condição de violência, a fantasia de aniquilação da diferença, que pode ser simbólica ou real. Inclusão não é uma causa, é um direito. A convivência na diferença é o que faz a nossa humanidade melhor, é onde se constrói uma sociedade que não deixa ninguém pra trás, onde as pessoas são valorizadas por ser quem são.”
A inclusão deve estar em toda a escola
“Assim como a própria sociedade, muitas famílias são socializadas na estrutura capacitista, que hierarquiza os corpos e suas formas de ser e estar no mundo a partir do que se entende que eles são capazes de ser ou fazer. O mais importante é o acolhimento, evitar situações estigmatizantes e não deixar que a experiência da deficiência seja solitária, ou seja, reduzido só àquela criança e a sua família dentro da escola. O caminho é socialmente construído, as barreiras que se colocam para impedir ou dificultar a convivência são assuntos das demais pessoas que não têm deficiência. Assim como o racismo é um assunto que deve ser endereçado às pessoas brancas, o capacitismo é algo a ser endereçado às pessoas que não têm deficiência. É preciso dialogar com elas, não sobre elas, ouvir suas perspectivas de mundo, possibilitar espaço para que elas possam dizer a sua palavra, falar sobre a suas experiências e transformar o que está posto, de modo que suas perspectivas também sejam incorporadas. Só assim poderemos decolonizar todas as formas, ideias e compreensões capacitistas que nos foram repassadas ao longo da vida”.
O ser humano é irrepetível e não há manuais
“O TEA, assim como qualquer outra condição relacionada à experiência da deficiência, como a paralisia cerebral, a cegueira, a surdez, a trissomia do 21, não se manifesta de forma homogênea. Essas condições também não são totalizadoras, não são capazes de dizer tudo o que aquele indivíduo é. Cada pessoa é composta, interpelada, atravessada por múltiplas entradas. A subjetividade se constrói em várias instâncias e a experiência da deficiência é uma dessas camadas, mas não é tudo sobre aquela pessoa. Parafraseando Temple Grandin, uma psicóloga e zootecnista norte-americana – que é autista – ‘se você conhecer uma pessoa autista, você conheceu uma pessoa autista’. Cada indivíduo é único e irrepetível. Não devemos cair na cilada de manuais, muitas vezes são estereotipados e reduzidos. O que importa à escola é o diagnóstico pedagógico: o que a criança gosta, o que a motiva, o que ela quer conhecer. Isso que interessa à escola.
Dicas de Mariana Rosa (jornalista, mestranda em Educação pela USP, fundadora do Instituto Cáue e ativista pelos direitos das pessoas com deficiência) para educadores.
– Documentário Crip Camp: Revolução pela Inclusão (Netflix)
O documentário da Netflix, Crip Camp – Revolução pela inclusão, traz a história de um acampamento de verão norte-americano nos anos de 1960/1970, onde jovens com deficiência são protagonistas de suas histórias. Na convivência, o sentimento de pertencimento, liberdade e o objetivo de serem vistos como pessoas longe dos preconceitos e patologizações.
– Livro “Longe da árvore”, de Andrew Solomon
Diagnosticado com dislexia, o autor Andrew Solomon afirma que o ambiente familiar acolhedor foi fundamental para uma vida mais saudável. O livro é resultado de uma investigação sobre relações familiares e a necessidade de se exercitar a tolerância e a valorização da diversidade.
– Ler sobre a biografia de Helen Adams Keller, ativista social norte-americana.
Helen Keller foi uma escritora e ativista social norte-americana. Formada em filosofia, foi a primeira pessoa cega e surda a ingressar em uma universidade dos Estados Unidos. Seu trabalho e ativismo foi voltado à defesa das mulheres e pessoas com deficiência.
*Pintura de David Downes