Será que as joaninhas também têm casinha como as abelhas? – Essa foi uma pergunta lançada por um grupo de crianças de quatro anos de uma escola pública situada na região metropolitana de São Paulo. Assim como nessa indagação, observamos em nosso cotidiano o quanto as crianças perguntavam. E como não considerar tais questionamentos num espaço de educação e de contato direto com a natureza?
Sim, estou falando de uma experiência muito particular em um parque na região do ABC, na grande São Paulo. Um lugar com cinquenta mil metros quadrados de bosque, espelhos d’água, orquidário, bromeliário, espaço artrópodes, horto medicinal, cactário e muito mais.
É nesse contexto de Educação ambiental que nos deparávamos com as perguntas das crianças. E diante de um grupo de educadores ambientais com formação em Biologia e outros em Engenharia Ambiental, lhes devolvíamos tais questões tão pertinentes a nós pedagogos e educadores da infância.
Muitas dúvidas surgiram a partir daí. Como centrar as visitas monitoradas nas perguntas das crianças? Como respondê-las a contento? A esses questionamentos se somavam outros: mas precisamos especificamente dar as respostas? Não seria a criança um ser capaz de elaborar suas próprias respostas?
E assim nosso estudo teve um novo fôlego. Estávamos diante de algo inusitado para biólogos e engenheiros ambientais, mas o que nós educadores da infância pensamos sobre isso?
Em Nietzsche (1936-1946-1962, pp. 379-380), através do pensamento de Heidegger encontramos:
“Não é sempre que uma pergunta pede uma resposta. Muitas vezes ela pede para ser destacada, para que possa oferecer aquilo que tem de mais essencial e desvende as referências que surgem quando se apropria daquilo que ela secretamente conserva. A resposta, na verdade, é somente a última instância do ato de perguntar. E uma resposta que dispense a pergunta se autoaniquila enquanto resposta e não é capaz de fundamentar qualquer saber, mas somente consolidar uma mera opinião”.
Certa vez, em uma leitura por puro deleite, descobri no conto narrado no livro “Ei! Tem alguém aí?”, (2000, 10ª edição, p. 26 a 29), de Jostein Gaarder , o mesmo autor do tão conhecido livro O mundo de Sofia, o quanto a pergunta deveria ser reverenciada. Neste conto o personagem vem de outro mundo, um lugar aonde as perguntas são sempre reverenciadas, como ainda se faz com reis, rainhas e tal. A cada pergunta lançada uma reverência era colocada. E o mesmo explica: ”Lá de onde eu venho, nós sempre fazemos uma reverência quando alguém faz uma pergunta fascinante. E quanto mais profunda for a pergunta, mais profundamente a gente se inclina. Quando você se inclina você dá passagem.”
Quando atuamos numa lógica da escuta em primeiro plano, é exatamente assim que o fazemos, a pergunta abre a escuta, o diálogo, a relação, a construção.
Em seu livro “A vez e a voz das crianças, escutas antropológicas e poéticas das infâncias”, Adriana Friedmann nos traz, na página 131, o conceito de ESCUTA:
“Escuta”, do latim auscultare, significa “ouvir com atenção”. Escuta é presença, vínculo, conexão, respeito. Mergulho no mundo do outro não só em sua fala, mas no olhar, no gesto, no tom, nas emoções alheias que podem nos tocar. Escutar é estar plenamente presente. Acolher o momento do outro. Adentrar a paisagem do outro, conhecer e reconhecer o outro em sua singularidade, em seu momento e em seu tempo. Escutar é doar-se, entregar-se ao outro.
Diante daquela pergunta inicial ofertamos às crianças uma visita aos diferentes espaços do parque onde elas puderam ter contato com outros elementos. Na caminhada ao espaço abelhas, local em que as colmeias pedagógicas tinham as laterais em acrílico favorecendo a visualização, puderam entrar em contato com a “casa das abelhas”. Diante desta vivência reafirmaram algo que já nos haviam apresentado de partida na pergunta: as abelhas têm casa. Mas e as joaninhas? Foi então que caminhando mais adiante depararam-se com o horto medicinal e a infinidade de insetos, de artrópodes e outros animais e plantas presentes naquele espaço. E não é que entre borboletas de muitas cores, abelhas, passarinhos, também puderam encontrar as joaninhas? O horto nessa época estava plenamente florido com lavandas, lantanas, camomilas, entre outras. Foi possível “abraçar” o pé de manjericão e sentir seu aroma muito peculiar, assim como alisar as flores e folhas e sentir tantos perfumes diferentes e em meio a tudo isso, localizar as joaninhas.
Diante dessa vivência já não se fazia necessário dar respostas. As crianças iam vivenciando as experiências e novas perguntas iam surgindo.
E do que mais se trata a Educação da infância que não potencializar cada vivência a fim de que os elementos da cultura e os saberes impulsionem novas perguntas e novas descobertas? É disso que se fala quando a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) traz no corpo do texto acerca da Educação Infantil:
“Essa concepção de criança como ser que observa, questiona, levanta hipóteses, conclui, faz julgamentos e assimila valores e que constrói conhecimentos e se apropria do conhecimento sistematizado por meio da ação e nas interações com o mundo físico e social não deve resultar no confinamento dessas aprendizagens a um processo de desenvolvimento natural ou espontâneo. Ao contrário, impõe a necessidade de imprimir intencionalidade educativa às práticas pedagógicas na Educação Infantil, tanto na creche quanto na pré-escola”.
É exatamente nisso que acredito: numa criança potente, questionadora, que levanta suas hipóteses e busca validá-las na interação com o outro e o meio. Como cita Loris Malaguzzi num congresso em Turim sobre Escolas da Infância (0 a 3 anos), e revela a imagem de criança: “…a ideia de uma criança construtivista-interacionista, a ideia ecológica do desenvolvimento e a imagem da criança que participa do prazer (de reminiscência psicanalítica)”.
É exatamente na abordagem proposta por Malaguzzi que localizamos o entendimento dessa criança potente, um sujeito protagonista, pesquisador de seus interesses, e, por que não dizer de suas perguntas?
Mas para visualizar essa potência das perguntas das crianças, e estabelecer a escuta tão necessária, uma questão fundamental se impõe: o educador sujeito. Aquele que busca sentido em seus saberes e afazeres, que se coloca também como protagonista e estudioso de sua própria natureza enquanto educador da infância. Assim reafirma Maria Alice Proença em seu texto sobre “O que move o sujeito-educador?” parte constituinte do livro PRÁTICA DOCENTE A ABORDAGEM DE REGGO EMÍLIA E O TRABALHO COM PROJETOS, PORTFÓLIOS E REDES FORMATIVAS, 2019, 3ª Edição, São Paulo, Editora Panda.
De quê exatamente estamos falando quando vislumbramos esse SUJEITO EDUCADOR? Um sujeito que se entende como educador da infância, que se coloca como sujeito investigativo, estudioso de sua própria práxis. Um sujeito pesquisador de suas práticas e de outras tantas, conhecedor de tudo que tem sido produzido a respeito. Um sujeito reflexivo com conhecimento de causa. Um sujeito autor de sua própria prática embasada em tantas outras práticas e teorias, embasada na Ciência. Um sujeito que busca a qualidade das ações que desenvolve no cotidiano do chão da escola.
E VOCÊ, enquanto Educador da Infância, como tem atuado junto às perguntas das crianças? Que papel estas tem desempenhado em sua práxis no chão da escola?