Por Kelli Angelini
O uso de tecnologias digitais na educação transformou radicalmente a maneira como alunos e professores interagem com o conhecimento. Tablets, computadores, celulares e quadros interativos não são mais apenas acessórios, são ferramentas indispensáveis para promover aprendizado ativo, colaborativo e alinhado às demandas do século XXI. Porém, recentes legislações estaduais, como a Lei Estadual nº 18.058/2024 (SP), e o Projeto de Lei Nacional 15100/25, propõem a proibição do uso de dispositivos eletrônicos nas escolas públicas e privadas.
Essa mudança gera uma dúvida central: estamos, de fato, retrocedendo à era da lousa e giz?
Antes de discutir os impactos e limites dessas novas normas legais, é essencial compreender como a tecnologia tem sido utilizada no ambiente escolar. Softwares interativos, simulações digitais e plataformas de aprendizagem transformaram o papel do estudante em um participante ativo do processo educacional.
As ferramentas digitais têm o poder de engajar os alunos de uma maneira que os métodos tradicionais dificilmente alcançam. Além disso, dispositivos como celulares e tablets, quando bem aplicados, auxiliam na pesquisa, em dinâmicas, na organização de tarefas e no aprendizado “gamificado”, conectando teoria e prática.
A presença da tecnologia na educação vai além de um recurso complementar: ela prepara os jovens para a convivência atual, inclusive no mercado de trabalho, que exige habilidades como pensamento crítico, colaboração, empatia e resolução de problemas em ambientes digitais.
Para os professores, dispositivos eletrônicos oferecem oportunidades de personalizar o ensino, adaptando o conteúdo às necessidades específicas de cada aluno, promovendo inclusão e melhorando os resultados.
O que as novas legislações propõem?
As legislações em questão têm como objetivo principal proibir o uso de celulares e dispositivos eletrônicos pessoais pelos alunos durante o período escolar. O argumento central é proteger a saúde mental e física dos estudantes, reduzir distrações, melhorar a concentração e, consequentemente, elevar o desempenho acadêmico.
Vale ressaltar que essas proibições não afetam o uso das tecnologias para fins pedagógicos. As escolas que fornecem dispositivos eletrônicos para fins educacionais continuam a operar sem mudanças. E a legislação reconhece que, em alguns casos, o uso de dispositivos pessoais pode ser necessário para atividades pedagógicas, especialmente em escolas economicamente menos favorecidas que não possuem estrutura tecnológica própria.
Portanto, longe de ser uma medida retrógrada, as proibições têm um caráter regulatório, visando equilibrar o uso responsável da tecnologia com a necessidade de criar um ambiente de aprendizado mais focado.
Apesar da justificativa para proibir os celulares, a medida levanta questões sobre desigualdade no acesso à tecnologia. Em escolas públicas, principalmente nas regiões mais vulneráveis, os dispositivos pessoais muitas vezes são o único recurso digital disponível para os estudantes. Nesses casos, o desafio é maior: como garantir que a proibição não exclua os alunos de oportunidades de aprendizado digital?
A legislação tenta contornar esse problema ao permitir o uso pedagógico dos dispositivos dos alunos em atividades planejadas pelos professores. No entanto, é fundamental que essa exceção seja acompanhada de regras claras, além de formações contínuas para professores sobre o uso eficaz de recursos digitais, inclusive dos dispositivos pessoais.
Proibir, é educar?
Embora a intenção de proteger os alunos de distrações e dos impactos negativos do uso excessivo de celulares seja válida, a solução não pode se limitar à proibição. É essencial que escolas e educadores recebam suporte e incentivos para implementar políticas que orientem os estudantes a utilizar a tecnologia de maneira ética, crítica e produtiva.
Ensinar o uso responsável dos dispositivos é mais do que uma necessidade: é preparar os alunos para um presente e futuro em que a tecnologia estará profundamente integrada à vida pessoal e profissional. No entanto, uma proibição isolada é insuficiente para atingir esse objetivo.
A adoção de políticas que promovam um uso consciente, seguro e reflexivo da tecnologia, aliada a uma formação contínua para os professores, pode potencializar o desenvolvimento de habilidades cruciais para os desafios do mundo contemporâneo.
Uma grande oportunidade para reflexão
Pensar nessas legislações se torna uma oportunidade para se repensar o papel da tecnologia na educação. Longe de significar um retrocesso, as normas podem contribuir para um uso mais estratégico e consciente dos dispositivos, desde que acompanhadas de investimentos e orientações adequadas.
A escola, enquanto espaço de formação integral, tem a missão de preparar os alunos para o mundo além dos muros da sala de aula e, isso inclui ensinar a convivência saudável e produtiva com a tecnologia. Por isso, mais do que proibir, é essencial investir em estratégias que tornem a tecnologia uma verdadeira aliada da aprendizagem.
Afinal, preparar os jovens para o presente e o futuro significa equilibrar inovação e responsabilidade, criando um ambiente educacional que acolha as demandas da era digital sem perder o foco nos valores e no desenvolvimento humano.
Como as escolas podem promover o uso intencional da tecnologia?
A implementação de políticas eficazes para o uso de tecnologias digitais nas escolas requer um equilíbrio entre as oportunidades e os riscos. E como as escolas podem fazer isso?
Desenvolvendo diretrizes claras. Escolas podem adotar regulamentos que definam o uso apropriado de dispositivos em sala de aula, alinhando-se às normas estabelecidas no PL 15100/25. Essas diretrizes devem incluir orientações sobre quando e como os aparelhos podem ser usados de forma pedagógica.
Investindo em formação do corpo docente. Professores precisam ser capacitados para integrar tecnologias digitais no currículo de maneira eficiente e intencional. Cursos e treinamentos podem ajudar os educadores a utilizarem ferramentas tecnológicas para estimular o aprendizado colaborativo e criativo.
Adotando tecnologias escolares controladas. Ao invés de permitir o uso irrestrito de dispositivos pessoais, escolas podem fornecer ferramentas institucionais, como tablets e notebooks com aplicativos educativos e acesso limitado à internet.
Fomentando a conscientização digital. Educar os alunos sobre os riscos e benefícios do uso das tecnologias é essencial. Programas de cidadania digital podem ser significativos na formação dos estudantes.
Contrapontos sobre o uso das tecnologias nas escolas
Apesar das restrições sugeridas pelo PL 15100/25, dispositivos pessoais podem, em alguns contextos, reduzir a desigualdade de acesso à tecnologia. Em escolas onde não há infraestrutura digital robusta, os celulares pessoais dos professores e alunos podem ser usados como ferramentas auxiliares, desde que sob supervisão.
Embora as normas sejam importantes, é fundamental que as escolas mantenham certa flexibilidade para adaptar suas políticas às necessidades específicas de suas comunidades, sempre priorizando a finalidade pedagógica.
Além das escolas, as famílias desempenham um papel crucial na educação digital dos jovens. É importante que pais e responsáveis orientem seus filhos sobre como utilizar aparelhos eletrônicos de forma segura e produtiva, atuando em cooperação com a escola.
Conclusão: o uso consciente e intencional é necessário
As tecnologias digitais oferecem inúmeras oportunidades para transformar a educação, promovendo um aprendizado ativo, colaborativo e inclusivo. Contudo, é crucial gerenciar os riscos associados ao uso inadequado de dispositivos pessoais. O PL 15100/25 representa um passo importante para regulamentar essa questão, ao estabelecer um equilíbrio entre a integração de tecnologias e a proteção no ambiente escolar.
Cabe às escolas, professores e famílias trabalharem juntos para garantir que a tecnologia seja utilizada de forma intencional e com propósito pedagógico, transformando os desafios em oportunidades para um ensino mais eficiente e significativo.