O filósofo grego Heráclito nos brindou com a máxima de que “nunca nos banhamos duas vezes no mesmo rio, porque as águas não são as mesmas e nós também não”. Em oposição a Parmênides, que defendia a estabilidade, Heráclito trouxe o conceito de mudança constante para o berço da sociedade ocidental: acreditava que a mudança era a característica fundamental da realidade. Sua famosa frase diz sobre a natureza fluída e em constante transformação da existência. Ele via o mundo como um fluxo constante de transformações, onde tudo está em processo de se tornar outra coisa.
Vivemos em uma era marcada pela globalização e pela frenética velocidade do mundo contemporâneo, onde o termo ‘extraordinário’ muitas vezes é associado a algo que demanda destaque, o inusitado, o surpreendente. Alguns conceitos atuais discorrem sobre esta questão. É o caso do Mundo BANI, que ficou popular durante a pandemia da Covid-19, em que as iniciais significam Fragilidade (Brittle), Ansiedade (Anxious), Não-Linearidade (Non-Linear) e Incompreensibilidade (Incomprehensible). Nos anos de 1990, para explicar o mundo no cenário pós-guerra fria, se popularizou o conceito de Mundo VUCA, que corresponde a Volatilidade, Incerteza (uncertainty), Complexidade e Ambiguidade.
Diante desse cenário, surge a proposta de uma pausa, uma oportunidade pedagogicamente significativa para reconhecer o extraordinário no cotidiano, sem cair na armadilha do excesso na incessante busca por destaque. Ao abraçarmos a filosofia de Heráclito, destacamos a importância de aceitar e compreender que a mudança é uma constante inescapável. Essa abordagem encontra eco na visão de Georges Perec sobre o conceito de “infraordinário”, que nos encoraja a uma observação minuciosa dos detalhes muitas vezes negligenciados pela sociedade e pela educação. Perec, ao conduzir seu experimento na Place Saint-Sulpice em Paris, revelou a riqueza do cotidiano ao destacar elementos aparentemente insignificantes.
Que tal, então, inverter o foco? Reconhecer a extraordinariedade no ordinário e valorizar a vida escondida nos detalhes do dia a dia? Adotar um olhar atento para apreciar a complexidade do presente, recusando-se a buscar apenas exceções e efeitos espetaculares?
Estas reflexões, compartilhadas pela educadora italiana Monica Guerra na inédita Revista Bambini no Brasil, que faz parte do Kit Diálogos Embalados de Janeiro, nos convidam a repensar nossa abordagem diante da constante mudança, celebrando a beleza e a complexidade que muitas vezes passam despercebidas em meio à correria do mundo contemporâneo.
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