SOBRE UTOPIAS E INOVAÇÕES NA EDUCAÇÃO

Quando eu era criança – eram tempos da Guerra Fria e de um país pobre, sob uma ditadura –, os perrengues eram muitos, o dinheiro era pouco, a vida difícil, mas o futuro costumava ser bom. O novo tempo viria tinindo, com remédio para todos os males.  Tipo Os Jetsons. Ou o Sítio do Pica Pau Amarelo. Pi-ri-li-pim-pim. As músicas diziam que amanhã seria outro dia. Não haveria fome, teríamos vencido o medo de acordar fritos em um cogumelo atômico. Voaríamos por aí nas asas de carros e, turistas, passearíamos pelo espaço. A escola? Show de ficção. Era só apertar um botão. Por aqui, na vida real, aquela em que nosso bolso implora por milagres, o Brasil era o tal gigante adormecido. Quando se movesse, ah, não teria para ninguém.

Algo deu muito ruim. A tecnologia até que fez sua parte. Quem imaginaria o metaverso? Ou até algo mais comezinho, como as redes sociais? E drones zunindo para entregar hambúrguer? E o carro que dirige sozinho? A Inteligência Artificial, a robótica, o 5G? Imunizantes inventados em poucos meses? Sim, a ciência brilhou. Quem não avançou muito fomos nós, seres humanos nem tão sapiens assim. 

Produzimos mais alimentos, mas a fome ronca na barriga do planeta. Criamos vacinas em tempo recorde, mas choramos os milhões que se foram (e irão) na pandemia. Legiões de refugiados se penduram em barcos ou morrem no deserto. O planeta esquenta. A IA é o bicho, mas e se ela fizer o que eu faço? Os ricos vão bem, obrigado, mas nós, os menos afortunados, somos 7 bilhões.  O século XXI chegou. A ciência veio de avião, e nossos melhores sonhos navegam soltos em uma garrafa perdida no oceano vazio. 

Arre, égua. Chega de choradeira, ou não sobra um leitor. Não dá pra fazer o que o sábio Raul Seixas cantou. O mundo não vai parar pra gente descer. Muito menos se passar do ponto. Por isso, precisamos falar de esperanças, novamente. É sobre Educação, escola, crianças, adolescentes, utopias, encontros e lutas por um futuro melhor. A escola continua sendo a melhor fonte de esperanças. Como diria Paulo Freire, lugar de esperançar, não de esperar.

O que me diz isso? Algo aconteceu de novo? Talvez não, talvez sim. O certo é que o mundo que emerge da pandemia descobriu que a escola é um lugar insubstituível e o professor é um profissional de valor inestimável. Será mais difícil pensar que a inovação leva à morte da escola física, mas fica mais claro o horizonte de redefinição do seu papel. Podemos aprender por muitas formas – quem sabe até mesmo apertando o tal botão –, mas é na escola, e pela educação, que aprendemos a ser gente, boa gente, no melhor sentido da palavra.

O educador português António Nóvoa gosta de adaptar um escrito do pensador Mikhail Epstein, para enfatizar: “A escola é o lugar de educar humanos, por humanos, para o bem da humanidade”. Há muita inovação nesse pensamento, e direi por quê.

Naquele tempo em que o futuro parecia bom, ele também parecia estável. Um lugar onde chegaríamos para ficar. Quase um endereço. Hoje o futuro é uma colcha de incertezas com as infinitas cores da complexidade. Educar humanos significa perguntar: o que precisamos saber? Que valores devemos construir? Qual é o bem da humanidade que desejamos?

Tudo o mais são ferramentas. Métodos, tecnologias, abordagens devem servir a um propósito: permitir que humanos eduquem humanos pelo bem da humanidade. A escola não é uma bolha no planeta, seguirá seus movimentos. Aprenderá a se tornar mais flexível, buscará ser mais colaborativa, dinâmica, horizontal, orientada pela ação expressa no sentido de competências. Caminhará para um uso mais cotidiano do digital, experimentará novas realidades, como a do metaverso, e nada disso terá importância se o centro de tudo não for o humano.

E é aí que residem todas as esperanças de um mundo melhor, como tantos freires e nóvoas e dewens e anísios e pachecos e outros sonharam. Lugar e tempo de pessoas mais livres, emancipadas, solidárias, autônomas, amorosas, plena de direitos, capazes de dialogar sem cancelamentos, engajadas nos problemas do mundo, mais socialmente responsáveis, mais humanas. E aí, talvez, como a flor de Drummond, a escola inovadora nascerá do asfalto.

Paulo de Camargo é jornalista especializado em educação, mestre em Literatura e um recalcitrante sonhador.