Por Marcia Righetti, pesquisadora, especialista no Sistema Montessori, coach de formação Montessori, fundadora do projeto pedagógico da Aldeia Montessori que dirige há 40 anos e do Centro de Estudos Montessori do Rio de Janeiro. 

Para muitos, “Montessori” é ainda alguma coisa relacionada à primeira infância, algum tipo de escola vista, talvez, como alternativa e um pouco privilegiada.

Quando meu filho mais velho chegou à idade pré-escolar, e depois o mais novo, eu os matriculei numa pré-escola Montessori.

Naquela época, eu era professora na Educação Básica da rede pública de ensino e fui, aos poucos, ficando mais familiarizada com a filosofia de Maria Montessori, pioneira há mais de cem anos na Itália, e gostei.

Gostei tanto que foi aí que comecei a estudar sobre Montessori; estávamos em 1975 e o primeiro curso que fiz, na mesma escola em que meus filhos estavam matriculados, fez com que buscasse outros e outros. E continuo encantada, estudando Montessori para sempre!

Em 1978, nasceu a Aldeia Montessori, a escola que dirijo desde então. É, principalmente, nesse espaço e do contato diário com as crianças que vou descobrindo mais, a cada dia, sobre o que um ambiente Montessori pode nos ensinar. Desde 2007, dedico-me também à formação de professores com base no método Montessori.

Percebo que o que chama atenção, à primeira vista, em uma escola Montessori são suas salas de aula. Lindas e coloridas, pela diversidade de materiais dispostos criteriosamente em estantes abertas, elas são projetadas para serem simples e organizadas, de maneira que tudo possa ser facilmente utilizado pelas crianças, isso encanta!

Outro aspecto que surpreende é a atitude dos alunos: na maioria das vezes, eles estão focados na atividade que realizam, sejam miúdos ou  maiores.

Começamos pelas classes de 0 a 3 anos.  Nelas a motricidade e a linguagem são o foco do desenvolvimento das crianças  e elas, têm ali também as primeiras experiências sociais, convivendo em grupo. Elas interagem entre si e o ambiente se mostra calmo. Cada uma escolhe sua atividade, por vezes experimentam pegar o material que o amigo está usando. Então, a professora observa e intervém, se necessário. A professora pode também estar observando o grupo, ou estar com um pequeno grupo, ou apresentando um material a uma criança. Alguém pode molhar as plantas ou cuidar do aquário, uma criança pode se entreter com um livro de histórias, outra pode observar o trabalho de um amigo.

Isto é geralmente o que encontramos também nas classes de 3 a 6 anos, com a diferença que neste ambiente as crianças estão voltadas para novas aprendizagens, o foco da linguagem expande-se para a linguagem escrita, a motricidade vai refinar-se em diferentes situações, ela desperta para o conhecimento do mundo, além do ambiente circundante e a matemática começa a fazer parte de suas investidas. Sem dúvida, o caminho de toda esta aprendizagem é a via sensorial e o movimento. Mas, em qualquer que seja a classe, o burburinho do trabalho das crianças é harmonioso, um zum- zum de trabalho, como costumo dizer.

Nas classes de Ensino Fundamental, o trabalho dos alunos é bastante rigoroso: eles pesquisam sobre temas de sua escolha, que tanto podem envolver dinossauros, tubarões, sistema solar ou o período colonial do Brasil. Também podem querer saber mais sobre outro país ou continente. Mesmo crianças menores, de 6 a 9 anos, podem fazer multiplicações e divisões de vários dígitos, discutir sobre vários assuntos e escrever sobre o que pesquisam.

Mas o que torna Montessori tão especial?


Respeito ao ritmo de cada criança

A diferença mais notável entre uma escola tradicional e uma escola Montessori é que os alunos se movem em seu próprio ritmo. Em vez de participar de uma aula dirigida pelo professor, na qual todos os alunos realizam as mesmas tarefas e são colocados no caminho para atingir o mesmo objetivo acadêmico todos os dias, cada aluno trabalha em lições precisamente ajustadas ao nível da habilidade atual.

São eles que escolhem as lições para fazer. No Ensino Fundamental existe um “combinado” com as  lições da semana, eles podem , entretanto realizá-las na ordem que quiserem e pelo tempo que quiserem. Se um estudante está realmente envolvido com um material de Matemática, por exemplo, ele não é interrompido por gastar muito tempo na atividade. E se um aluno demonstrar um interesse particular em um tópico, digamos o rio Amazonas, ele incorpora esse tópico, enquanto ainda cumpre as metas curriculares.

Classes de idades mistas

Maria Montessori acreditava que as faixas etárias mistas eram de grande benefício para os alunos, fortalecendo a colaboração e a aprendizagem entre os pares. Esse é um fato preponderante no desenvolvimento social e emocional, ampliando as relações interpessoais. Os alunos mais velhos assumem papéis de liderança naturalmente e ajudam a definir o ambiente de trabalho, a cada tempo os papéis se diversificam e todos têm a oportunidade de liderar e de serem liderados. Eles também encontram maneiras de liderar, seja pelo conhecimento crescente em uma área específica, um talento especial ou com seu próprio conjunto exclusivo de habilidades sociais.

Flexibilidade

Ter um cronograma regular de atividades diárias não significa ser rígido para acomodar eventos especiais que podem acontecer. Desde atividades realizadas no espaço externo, em contato direto com a natureza até as aulas de campo, receber visitas ou preparar juntos o lanche do dia e ainda aproveitar uma novidade trazida por um amigo para aprender mais sobre o assunto. Esse tipo de flexibilidade é algo que pode trazer enorme benefício: capacidade de aproveitar as oportunidades à medida que elas surgem.

Foco na educação o potencial humano

Embora os alunos façam o trabalho acadêmico todos os dias, o currículo Montessori expande sua visão numa educação integral, holística, na qual o desenvolvimento emocional, social, motor e acadêmico têm o mesmo valor.

Quando as pessoas olham para um programa acadêmico, olham especificamente para as competências cognitivas. Mas todos nós sabemos que o acadêmico é insuficiente para toda a criança, aliás, para qualquer pessoa. Sempre temos o foco na criança por inteiro: independência, capacidade de concentração, empatia, resiliência, capacidade de compartilhar espaço, respeito pela comunidade, capacidade de solucionar conflitos, competência para expor suas ideias e sustentá-las, entre tantas outras que vão se desenvolvendo à medida que a cresce.

Visão e Educação Cósmica

“A visão de MONTESSORI, do mundo, tem uma dimensão cósmica porque ela inclui tudo: MONTESSORI olha o mundo, vê o mundo numa escala enorme, quer dizer, vê o universo com todas as suas inter-relações. A visão de MONTESSORI também é cósmica porque ela olha a humanidade em sua totalidade através do tempo: ela vê os seres humanos guiados por uma finalidade desde a época de sua aparição; ela vê a humanidade ao mesmo tempo adulta e criança; ela vê o indivíduo ao mesmo tempo em sua unidade e nas suas diferenças de desenvolvimento durante as diversas etapas ou estações da vida, considerando cada indivíduo como uma parte do universo.”

(Pietro de Santis, em “A Paz em Montessori”, Encontro internacional de líderes, Rio de Janeiro, 2002).

Educação como ciência

Maria Montessori defendia que a educação deve resultar de uma abordagem científica que seja capaz de respeitar as leis do desenvolvimento da criança e do adolescente e suas fases evolutivas.

“Se a ciência começasse a estudar os homens, conseguiria não só fornecer novas técnicas para a educação das crianças e dos jovens, mas chegaria a uma compreensão profunda de muitos fenômenos humanos e sociais que estão ainda envolvidos em espantosa obscuridade. A base da reforma educativa e social, necessária aos nossos dias, deve ser construída sobre o estudo científico do homem desconhecido.” Maria Montessori, da Infância a adolescência.

Ambiente preparado

O ambiente preparado , segundo Montessori , é aquele que preparado pelo adulto a luz da ciência do desenvolvimento humano. A sala de aula Montessori usa espaço físico e tempo que permitem a concentração, design que permite que as crianças encontrem, escolham e usem materiais para aprendizagem com autonomia.

A chave do sucesso de uma classe Montessori está em criar um ambiente propício ao protagonismo da criança e do adolescente, com aprendizagem independente ou autoeducação, como costumamos dizer.

Professores preparados

Para dirigir uma classe Montessori, o professor precisa estar preparado, conhecer sobre desenvolvimento e aprendizagem, sobre as estratégias didáticas do Sistema Montessori e ser capaz de projetar e manter o ambiente que nutrirá a curiosidade de suas crianças, além de guiá-las pelo caminho a percorrer no seu processo de aprendizagem.

Deve ser um observador para poder seguir a criança e oferecer a ela o que precisa para ir adiante.

Para Maria Montessori o professor é o cientista que cuida do “laboratório da vida” que cada classe representa.

Ensinar ensinando

Essa filosofia é aparente na forma como os alunos são tratados. Se uma criança está se distraindo e tendo problemas para se concentrar, em vez de repreendê-la, cabe ao professor reacender o interesse dela, observar para determinar o que a está confundindo ou ajudá-la a encontrar outra tarefa que seja mais atraente, nutrindo sua curiosidade.

Há na prática da observação, a identificação dos pontos em que a criança precisa de ajuda e a retomada do processo de aprendizagem, no ponto em que ela encontrou algum obstáculo. Sem corrigi-la, mas apresentando a maneira correta para que possa ela própria possa perceber seu erro e construir o acerto.

Os alunos também recebem muita responsabilidade para manter a sala de aula em ordem e limpa, planejar refeições e lanches e resolver os problemas à medida que surgem. Todos estes não são vistos como distrações do currículo, mas partes importantes do próprio currículo, exercício de autonomia que fortalecem a autoestima e a autoconfiança do aprendiz.

O que todos nós podemos aprender com um ambiente Montessori?

Aplicado desde 1907 revolucionou a concepção de escola, “entregando” o protagonismo ao aluno; sobreviveu a tantas outras abordagens de ensino e hoje serve de inspiração às escolas inovadoras em todo o mundo. Sua base científica comprovada pelos estudos da Neurociência ratifica os caminhos escolhidos pela Dra. Maria Montessori.

E hoje em pleno século XXI, pode inspirar a um  “novo” caminho, um clássico.