A relação que as crianças estabelecem com a professora é admirável.
Até onde a minha memória alcança, minha professora ainda no Jardim da Infância, passou a ser a minha referência nos gestos, nas brincadeiras, nas canções e até no falar.
Durante as brincadeiras de escolinha com as bonecas, mais tarde nomeadas por jogo simbólico, exercitava o papel da mestra com orgulho. Imitá-la significava estar atenta às minhas bonecas, ouvi-las, elogiá-las e distribuir-lhes tarefas.
Saltando alguns anos me encontro como professora de uma turma de crianças de três anos. Aquela história vivida como aluna começa a se materializar, agora de modo profissional. Passo a ser a referência para as crianças e mais, também para seus pais e familiares.
Com muito orgulho elas chegavam à escola trazendo a avó pela mão e dizendo: – Vó, essa é a minha professora. Eu crescia por dentro recheada de alegria e me lembrava de quando falava, em casa, sobre a minha professora. Foram longos anos de experiência acompanhados de muita observação, estudos e aprofundamento.
Continuo me dedicando à escola, embora não como professora, e sim como assessora e pesquisadora. Conheci experiências escolares em diversas cidades do mundo e fui credenciando, mais e mais, o lugar da infância e da escola da infância.
Acesse a sua memória e relembre uma criança ao nascer, sendo acolhida pela família sempre atenta aos seus sinais de choro, riso, movimentos corporais, sono, fome, dor e descobertas. Essa criança ocupa o centro das atenções, principalmente a de sua mãe ou de quem a cuida pois, como está em função do bebê, atende-o rapidamente.
Nos primeiros meses de vida a criança está tão ligada a esta cuidadora que entende que são a mesma pessoa, ou seja, que não há o Outro. Passados alguns meses, o bebê começa a observar com curiosidade as suas mãozinhas e pezinhos e passa o tempo encantando-se com seu próprio corpo, com os sons que emite e com as possibilidades dos seus movimentos corporais. Por meio de gestos e expressões o bebê mostra a sua perplexidade com essas aprendizagens. As experiências do bebê são sinais de que, a partir dessas descobertas, ele começa a se diferenciar do adulto, se entender “independente”. As fases seguintes de crescimentos são cada vez mais visíveis, principalmente pelos avanços da parte motora e todo o esforço para rolar, engatinhar, ficar em pé, andar e falar. Trata-se de longo e trabalhoso processo! O bebê, então, reconhece as pessoas com quem convive, interage em brincadeiras e assim amplia seu universo de relações, ainda no âmbito familiar.
Uma nova etapa na vida da criança é a chegada à escola.
Enquanto ela viveu parte de seu desenvolvimento em casa, convivendo com a família e sendo atendida em seus desejos quase que imediatamente, a passagem para a escola representa uma passagem importantíssima em nossas vidas: a mudança do espaço privado, particular, para o espaço público e coletivo. Mas, o que isso quer dizer? E como se dá essa transformação?
A diferença entre ser filho e um ser de relações no coletivo se dá no contexto ao qual estamos inseridos nas diferentes etapas da infância: o ninho, representado pela casa e o ambiente externo, representado pela escola.
Na família os valores e regras do núcleo estão postos, até de forma tácita, e na escola os valores e as regras são explicitados pois é o lugar da diversidade, do encontro com o diferente, do convívio com a pluralidade e das oportunidades dos sujeitos se encontrarem, o eu e o Outro. Assim constroem o modo de viver coletivo.
O contexto escolar é um microssocial e político à medida que nele convivem as diversas ideias, opiniões, pontos de vista e acordos, próprios das sociedades democráticas. Um contexto no qual a diversidade de experiências e de culturas se confrontam em um diálogo de aprendizagens buscando a equidade na diferença entre cada sujeito. Não se trata de estabelecer a hegemonia de um modo de pensar e agir mas de aprender a conviver com o desconforto ao se deparar com outros modos de ser, sempre pautados pela ética do respeito e da escuta, e encontrar as possibilidades do diálogo. É só na escola que as crianças têm a aprendizagem social, mediada por um adulto educador.
Na escola as crianças têm o reconhecimento do que é específico da infância – seu poder de imaginação, fantasia, maravilhamento – é na escola que as crianças aprendem a conviver respeitando as regras cotidianas, enfrentando desacordos, se expressando e sendo parte de um grupo, o que lhe confere o sentimento de pertencimento, fundamental para a nossa constituição humana.
Nesses tempos de distanciamento social, a escola chega na casa das crianças, mediadas pela cultura da tecnologia, para manter os vínculos, para alimentar as relações de convivência, para tecer os fios de contatos por meio de histórias, canções, jogos e da conversa em grupo.
Observe: quantas vezes as crianças verbalizam a saudade que sentem dos colegas? Nesses encontros virtuais as crianças querem mostrar suas casas, seus animais de estimação, seus brinquedos pois sente-se acolhida pelo grupo e se interessa também pelas histórias dos colegas. Dessa forma, fortalecem a teia de relações, mesmo distantes.
A escola é o lugar de aprender os conteúdos escolares, a escrita, a leitura, o cálculo, é também o lugar das descobertas, das indagações e da participação nas descobertas e perguntas dos colegas.
A escola é o lugar da vida que pulsa e que nos ajuda a crescer. É por essas razões que as crianças precisam ir à escola, por essas razões as crianças dizem: minha professora falou!