Para muito além do preço
Os primeiros meses do ano são marcados por alguns eventos importantes no mundo da educação. Escolha da escola, matrículas, rematrículas, acolhimento e toda a expectativa e euforia que estes temas causam. Dentre eles, a lista de material escolar.
Ainda antes da tarefa das famílias de percorrerem os corredores das lojas especializadas em busca de variedade, qualidade e das melhores oportunidades de preço e condições, na lista já estarão depositados os esforços da equipe pedagógica na construção de seus itens.
Estas listas ultrapassam, em muito, uma mera relação de objetos a serem comprados. Não se trata apenas da expressão “lápis e papel”, que pode remeter à simplicidade de outra expressão bastante brasileira: o “arroz com feijão”. Ainda que de ambos se possam construir saberes e sabores maravilhosos.
Se a lista de material escolar que a escola disponibiliza está construída com o conceito simplificado de “conjunto de utensílios”, muito possivelmente ela precisa ser repensada e reconstruída.
Não só para que adquira maior ou menor volume, muito menos para que custe menos ou para que seja mais “fácil de encontrar”. Óbvio que são pensamentos relevantes dentro da observação de necessidade/possibilidade das famílias, especialmente em tempos mais difíceis.
A lista de material escolar deve encontrar pontos de interlocução com o projeto pedagógico como um todo. Ela precisa estar atrelada diretamente ao conceito mais amplo de materialidade, onde cada elemento encontra uma intencionalidade.
Especialmente as crianças nos anos iniciais constroem uma relação com os objetos, vindas de sua curiosidade original e, com o passar do tempo o estabelecimento de maior intimidade, formam uma relação mais estreita com cada um deles. As primeiras sensações do deslizar do lápis sobre os suportes, o encantamento de ver impressos seus movimentos e o primeiro encontro com as formas.
Faça uma pequena viagem às suas memórias e relembre a textura de sua borracha, os aromas variados de suas tintas, dos plásticos que abraçavam carinhosamente nossos cadernos, das etiquetas que lhes eram coladas com a engenhosa precisão de nossos pais e, em geral, com suas grafias mais caprichadas.
Não, o material escolar não é uma mera lista. Ele vai fazer parte de construções afetivas que acompanharão as crianças por toda a vida. Eles serão capazes de estabelecer relações em seus sentidos, na forma como vão se comunicar com o mundo, no desabrochar de suas aptidões artísticas e na construção e revelação de seus sentimentos.
Caderno brochura ou espiral? Lápis número 1 ou 2? Cola líquida ou em bastão? Qualidade ou quantidade? Tudo é válido, desde que faça sentido. Há de haver uma coerência entre o que se deseja provocar na criança e qual o mecanismo a ser utilizado. A partir disso, qual o material necessário e mais adequado. Pedagogia impressa na lista de forma velada.
Mas é importante que sejamos capazes de olhar nossas listas de material escolar, seja para construí-la ou apenas para comprá-la, com os pensamentos voltados para a infância, suas riquezas e suas potências. Saber que a partir dela nossas crianças terão contato com suas primeiras impressões e seus impressos.
Para que as olhemos muito além do preço, mas com apreço.