Quando pensamos na presença da Inteligência Artificial no cotidiano das crianças, o que nos vem primeiro: encantamento ou preocupação?
Talvez ambos.
Se é verdade que as crianças de hoje nasceram num mundo onde assistentes virtuais, plataformas com recomendações personalizadas e robôs conversacionais já são parte do dia a dia, também é verdade que pouco sabemos, ainda, sobre os efeitos desse convívio sobre seu desenvolvimento cognitivo, emocional e social.
Na Diálogos, temos nos perguntado:
– O que significa proteger e escutar as crianças em um mundo mediado por algoritmos?
– Como garantir que a tecnologia esteja a serviço da infância — e não o contrário?
– O que os educadores precisam saber para tomar decisões críticas diante das promessas da IA? Essas perguntas não nascem do medo do novo, mas do compromisso ético com a infância. Um compromisso que se faz em cada escolha de mediação, em cada oportunidade de escuta, em cada espaço que desenhamos, em cada interação que promovemos. E se há algo que a infância nos ensina, é que não existe neutralidade no brincar, no olhar, no escutar. Também não existe neutralidade nas tecnologias que se entrelaçam ao cotidiano das crianças.
Participação no seminário promovido pelo MEC, UNESCO e Cetic.br
Foi com esse olhar que participamos, recentemente, do seminário “IA na Educação Básica: construindo referenciais nacionais”, promovido pelo MEC, UNESCO Brasil e Cetic.br/NIC.br, em Brasília. O encontro reuniu especialistas, gestores, professores e organizações que atuam com a educação pública e produziu debates fundamentais sobre o papel da IA na escola e na sociedade.
Durante o evento, foram apresentados os Marcos de Competências em IA para Professores e para Estudantes, documentos que ajudarão a orientar políticas públicas e formações no país. Mas mais do que diretrizes técnicas, eles nos ajudaram a reafirmar uma urgência: precisamos pensar esse tema também a partir da escuta das infâncias — mesmo (ou especialmente) das bem pequenas.
Quando um brinquedo aprende com o gesto da criança…
Recentemente, a Mattel anunciou uma parceria com a OpenAI, criadora do ChatGPT. Juntas, pretendem desenvolver brinquedos com IA embarcada. O objetivo? Criar experiências interativas que aprendem com as crianças e respondem de forma cada vez mais personalizada.
Outras empresas já vêm fazendo isso: robôs que conversam, pelúcias que ensinam inglês, bonecas que adaptam o tom de voz e os temas das conversas com base no comportamento da criança.
Pode parecer fascinante — e, em parte, é. Mas também é urgente perguntar:
– O que muda na experiência da infância quando o brinquedo “responde” como se fosse um amigo?
– Como isso impacta o vínculo, o tempo de espera, o desenvolvimento da linguagem, o encantamento com o outro?
– O que desaparece quando não há mais silêncio, dúvida, improviso?
Em matéria recente da Bloomberg Línea (jun/2025), especialistas alertam para os riscos de brinquedos com IA que “só elogiam” as crianças, sem qualquer nuance ou senso de contexto. A ausência de frustração, negociação ou limites — elementos tão importantes nas interações reais — pode gerar impactos emocionais e cognitivos relevantes.
Já em 2018, uma reportagem da CNN chamava atenção para o fato de que crianças conversavam com assistentes virtuais como a Alexa sem aprender a dizer “por favor” ou “obrigado” — o que gerou debates sobre como as tecnologias moldam formas de se comunicar e de se relacionar.
Nem tudo que fala escuta. Nem tudo que responde compreende
Segundo uma pesquisa da Common Sense Media (2023), quase 30% dos pais de crianças entre 0 e 8 anos afirmaram que seus filhos já utilizaram ferramentas com IA para aprender. No grupo entre 5 e 8 anos, esse uso é ainda mais frequente.
Apesar disso, apenas uma pequena parcela dos pais se diz preocupada com os impactos da IA no bem-estar das crianças — e a maioria não vê necessidade de aprender mais sobre como essas ferramentas funcionam.
Isso nos leva a mais uma pergunta essencial:
– Quem está alfabetizando famílias e educadores para compreender esse novo cenário?
Em entrevista ao podcast Harvard EdCast (2024), a professora Ying Xu, da Harvard Graduate School of Education, destacou que ainda estamos apenas começando a entender os impactos da IA sobre o modo como as crianças constroem significados, se expressam e se relacionam. Ela defende que esse processo exige atenção cuidadosa dos adultos — e começa por fazer as perguntas certas.
Seguimos atentas — com a infância no centro
Na Diálogos, temos estudado, conversado e buscado compreender os caminhos e descaminhos que a inteligência artificial pode trazer para a educação. Em breve, vamos abrir rodas de conversa com a nossa comunidade para refletir sobre esse tema com mais profundidade. Não para trazer certezas prontas, mas para criar espaços de escuta, crítica e troca — como sempre fizemos.
Enquanto isso, deixamos aqui dois documentos da UNESCO que podem ser ótimos pontos de partida para quem quer mergulhar no tema:
📎 Marco de Competências em IA para Professores – UNESCO
📎 Marco de Competências em IA para Estudantes – UNESCO
Seguimos juntas, porque o futuro — mesmo o mais automatizado — continua sendo tecido pelas nossas escolhas cotidianas.
Referências Bibliográficas
– UNESCO. Marco de Competências em IA para Professores. Paris: UNESCO, 2024.
– UNESCO. Marco de Competências em IA para Estudantes. Paris: UNESCO, 2024.
– Common Sense Media. AI & Kids: Advice for Families and Educators. EUA, 2023.
– Bloomberg Línea. “Barbie com IA? Brinquedos que só elogiam podem causar novos danos às crianças”. Publicado em 19/06/2025.
– CNN. “Should children say ‘please’ to Alexa?”. Publicado em 28/05/2018.
-Harvard EdCast. “What Children Need to Know About AI, and When”, com Ying Xu. Publicado em 15/02/2024.
Ótimos referenciais para reflexão com os Pais e Professores
Olá, embora as habilidades tecnológicas sejam importantes, é essencial também desenvolver as habilidades humanas que nos diferenciam das máquinas. É preciso cuidar.
A discussão é interessante e importante. Cada vez gosto mais da Diálogos.
Acredito que como a realidade já é de total conexão das crianças com as novas tecnologias (já nascem com todas as à mão), no caso da IA o que devemos fazer – quem sabe– é explorar e conviver já de forma criativa, explorando todo o potencial, sensibilidade e conteúdo que a tecnologia pode trazer – logicamente com o cuidado que isso também necessita. Excelente reflexão. Ótimo conteúdo!
Assunto extremamente importante e necessário. Abordar as Tics na escola requer incluir a família nesse processo, recebo muitos pais na escola a qual atuo (extracurricular voltada para a parte de tecnologia educacional) que se dizem confusos sobre a tecnologia de modo geral na vida dos filhos, outros que buscam que o filho se torne “programador ou profissional da área por ter mais possibilidades no futuro”.
A necessidade que vejo hoje, está em letrar digitalmente, alunos, educadores e familiares, para que jutos, possamos construir uma educação digital a qual seja um caminho para o desenvolvimento de habilidades como o pensamento computacional e resolução de problemas, mas sempre colocando a criança como protagonista das aprendizes e experiências e não como uma consumidora de tecnologias.