A viagem começa muito antes da decolagem do Boing. Viagem entendida como processo (E não é assim que devemos entender o dia a dia de nosso trabalho com as crianças? Através do processo? ) e não como produto.
O processo leva um tempo maior de construção. Troca de e-mails, escolha de materiais, estudo sobre a proposta que será apresentada, busca de informações sobre a cultura da cidade, uma pesquisa no site do Dutyfree ( afinal ninguém passa ilesa por isso !) , arrumar a mala…contagem regressiva.
Novo grupo de estudo. Rostos conhecidos anseiam por novos olhares e confirmações de suas escolhas que se fazem cada vez mais presentes no cotidiano da escola. Rostos desconhecidos talvez ainda não tenham tanta certeza da busca. Experimentarão nova sensações ? Retornarão outras após essa experiência ? Ampliarão olhares ? Ah, o desconhecido. 27 educadoras em busca de respostas às suas perguntas.
O relógio marca 3 horas e elas estão chegando. Olhos ainda vermelhos, revelando que um breve cochilo deve ter acontecido entre um pequeno espaço de tempo, sorriso nos lábios, cumprimentos e abraços apertados nas pessoas já íntimas e parceiras de tantos desequilíbrios cognitivos. Um beijinho no rosto e um oi mais recatado naquelas que ainda estão por se tornarem íntimas.
Durante quatro dias construímos vínculo e parceria. Sorrisos, antes discretos, agora se abrem em uma gostosa gargalhada, olhos, antes em busca de algo indefinido, agora se concentram em aspectos apresentados pela equipe das escolas e o corpo ganha leveza. Leveza por se sentir entre pares, entre iguais.
Momentos de encantamento se misturam aos momentos de pura reflexão. Surgem questionamentos sobre a própria prática, deslocamento do olhar sobre o que está sendo realizado diariamente com as nossas crianças – certezas, convicções, rupturas, incertezas.
Hoje, tendo contato com o título da 32 Bienal de Artes ( que iniciará em Setembro ( SP) ) leio Incerteza Viva. Meu pensamento busca pelo intercâmbio de estudo vivido no final de semana passado e que ainda pulsa em mim. Incerteza viva. Não seria essa a inspiração por essas buscas ? Por esses deslocamentos internos e externos ? Não seria ela a “mola” que nos impulsiona ao ato de refletir ?
Incerteza viva é aquilo que nos move. Que nos tira do eixo, mas que nos faz continuar, afinal, ela é viva. Ela é latente, ela nos faz buscar respostas, olhares e, principalmente, nos provoca com novas perguntas.
Malaguzzi já falou tão belamente dessa incerteza no livro As cem linguagens. Dessa incerteza que deve acompanhar o trabalho da professora. Dessa incerteza que deve ser a nossa sombra em nossas ações com as meninas e os meninos (E também com a vida ! ).
Volto desse intercâmbio com a certeza de que a incerteza acolhe nossas perguntas e as transforma em outras.
Desejo mesmo que as educadoras que estiveram conosco no Peru possam tomar a incerteza como parte do cotidiano e melhorar ainda mais a prática.