Por Fabiane Vitiello 

A cada dia que passa, nas grandes e médias cidades o mercado imobiliário ganha um volume maior.

Casas térreas que outrora fizeram parte de nossa constituição como pessoa, hoje, em sua maioria, já não existem mais. Vivemos um momento em que a verticalização toma conta de nossas ruas e nossas ruas já não acolhem mais nossas crianças como fizeram em outra época da história.

Hoje, grandes espigões compõem a cidade e a rua tornou-se um lugar proibido.

Havia muitos quintais, muitas salas e quartos, corredores, casas de avós, primos, vizinhos; casas com espaços generosos e que nos convidavam a uma boa brincadeira. Espaços que clamavam por um pirata, uma bailarina, uma cozinheira ou mesmo por uma pipa além de seus muros.

As próprias escolas eram forradas de espaços convidativos à imaginação e ao brincar. Árvores faziam-se presentes, havia corredores largos e vazios, onde podíamos burlar a vigilância dos olhos dos adultos e apostar corrida, havia grandes jardins, cantinhos secretos, enfim, espaços que, por si só, nos fizeram criar novos cenários e brincadeiras memoráveis. Espaços que nos permitiram vivê-los de outras maneiras.

Lembro-me das praças e das ruas também serem permissivas. Convidavam-nos a aventuras inesquecíveis e faziam com que estivéssemos em constante construção imaginária espacial – ora a construção de uma casa ainda inacabada virava um castelo, ora um jardim transformava-se em uma grande e misteriosa floresta.

Hoje, é notória a alteração de comportamento nesse sentido. As áreas generosas de nossas casas foram suprimidas pela crescente verticalização e já não existem mais; as áreas convidativas de espaços urbanos, apesar de estarem lá, já não podem mais ser aproveitadas para brincar. As escolas ganham, a cada dia, mais e mais andares e menos espaços externos que possibilitem essa construção imaginária espacial. Nossas crianças estão crescendo em ambientes com poucas possibilidades de criação, mobilidade e transformação.

Além dessas alterações sociais, outra, bastante importante, também deve ser levada em consideração – meninos e meninas passam a maior parte do tempo na escola na sociedade contemporânea, principalmente nas grandes cidades.

Qual a memória afetiva que as crianças levarão consigo ao retomarem, já na adolescência e na fase adulta, os espaços que habitaram? Quais lembranças trarão consigo?

Por esses motivos, há de se flexibilizar os espaços existentes no cotidiano escolar, recuperar os quintais da infância e dar às crianças, como defende Manuel Delgado em um dos capítulos do livro Territorios de la infancia (2005 p.17), a permissão para serem crianças e para poderem fazer o que fizemos (…).

Cada vez mais fica claro o quanto a criança é influenciada pelos espaços que habita e influencia os mesmos em uma construção constante de aprendizagem, tornando assim os espaços da escola essenciais nesses aspectos: memória afetiva, processo construtivo, influência do meio, desenvolvimento da autonomia, construção de relações e o próprio brincar.

Perguntas disparadoras devem ser feitas com frequência para que o educador passe a enxergar o espaço, seu contexto e as ações que nele acontecem como mediadoras para a ambientação.

– Qual o papel e a ação dos educadores nesse novo contexto?
– Como as crianças se relacionam com os espaços escolares?
– Como os espaços escolares oferecem oportunidades de crescimento acerca do imaginário espacial das crianças?
– Como os educadores compreendem a importância do espaço no desenvolvimento das crianças?
– Que tipo de intervenção pedagógica é promovida no espaço escolar?
– Os espaços favorecem a construção de relações: criança/criança, criança/adulto, criança/materiais, criança/espaço?

A Pedagogia e a Arquitetura, entendida aqui também como uma maneira de organização de espaços, devem estabelecer “diálogos” cotidianos. Diálogos que são vistos como essenciais para oferecer às crianças situações que lhes permitam viver o espaço como uma experiência única e pessoal na qual possam criar seus territórios, suas brincadeiras, seus espaços vitais como experiências indispensáveis para o desenvolvimento e aprimoramento de aprendizagens, promotoras do desenvolvimento infantil, levando em conta que as crianças conhecem e compreendem o mundo por meio da interação com o outro, com as brincadeiras e com o espaço que as rodeiam.

O ESPAÇO COMO UM TERCEIRO EDUCADOR

Muitos aspectos relacionados ao tema espaço aparecem nas obras de educadores consagrados – Maria Montessori, Orvile Decroly, Pestalozzi.

Após tantos anos, ainda se fazem presentes, com a excelência digna que lhes caem, nos estudos de arquitetos, sociólogos, antropólogos, engenheiros e pedagogos que visam aprimorar os espaços escolares atuais possibilitando-lhes, sobretudo, mobilidade para incluir as diferentes experimentações e sensações das crianças. Tais escolhas nos revelam uma ideia de criança ativa, competente, protagonista de seu saber, criadora de cultura e valores, exploradora e que confere significados aos lugares que ocupa. Uma criança competente para conhecer e viver.

Trazendo ideias mais recentes à discussão deste campo e defendendo essa concepção, Loris Malaguzzi, percursor da Abordagem Reggiana, no livro As cem linguagens da criança (1999), coloca que o ambiente é visto como algo que educa a criança. Para Malaguzzi, tudo o que cerca as pessoas na escola e aquilo que usam – os objetos, os materiais e as estruturas – não são vistos como elementos passivos, mas pelo contrário, são elementos que condicionam e são condicionados pelas ações dos indivíduos que agem nela. Nas palavras de Malaguzzi:

“Valorizamos o espaço devido ao seu poder de organizar, de promover relacionamentos agradáveis entre as pessoas de diferentes idades, de criar um ambiente atraente, de oferecer mudanças, de promover escolhas e atividades, e a seu potencial para iniciar toda a espécie de aprendizagem social, afetiva e cognitiva (…)” ( 1999 p.157)

Nessa abordagem o espaço é visto como um terceiro educador, como algo que, também, educa as crianças que o habitam. A fim de agir como um educador, esse ambiente necessita de flexibilidade, deve passar por modificações frequentes com a intenção de permanecer atualizado e sensível aos direitos das crianças de serem personagens principais na construção de seus conhecimentos. Um espaço vivo, um espaço repleto de paixão, entusiasmo, um espaço onde o educador pensa e interage sobre o ambiente de modo a imprimir ainda mais qualidade ao seu trabalho e à aprendizagem das crianças.

Fica aqui um convite. Olhe para os espaços de sua escola como um grande atelier de conhecimento. Fotografe-o ao final de cada dia e busque respostas ao final da semana, com esse material em mãos, tendo como foco perguntas chave, tais como:

  • Qual o lugar que o corpo de meus alunos ocupou

nesse espaço hoje? Como as relações se constituíram com os materiais que ofereci?

  • Criei contextos de possibilidade no dia de hoje tendo o espaço como mediador?
  • Esse espaço comunica quem o habita?

Educador, qual será a primeira alteração que você fará nesse semestre letivo? O convite está aberto!