Como o deus romano Jano, com as duas faces que a um só tempo olham para trás e para a frente, a educação também vive o simbólico desafio de tecer dia a dia o fio que liga passado e futuro, história vivida e mundos a criar, memória e ficção, saberes constituídos e a construir, o que já existiu e aquilo que virá. A escola é o espaço do que já nasceu – e, como na etimologia da palavra inédito, também daquilo que ainda não veio à luz.
Em defesa da escola, é preciso nunca esquecer que essa instituição existe para salvaguardar a jornada humana sobre o planeta, aquilo que se convencionou chamar civilização e que nos define como espécie. A ciência, a cultura, as mentalidades, aquilo que os seres humanos transformaram em palavra, som e imagem, suas obras feitas de matéria concreta e trabalho, desejos e sonhos.
Mas, igualmente em defesa da escola, precisamos valorizar a face que mira o futuro – isso nunca foi tão importante. Inventar, reinventar, reinventar-se é preciso, como navegar é preciso em um oceano de incertezas. Ensino Jean Piaget (1896-1980): “o principal objetivo da educação é criar homens que sejam capazes de fazer coisas novas, não simplesmente repetir o que as outras gerações fizeram”.
Para seguir adiante em um mar revolto e envolto em névoa, é preciso que o inédito seja nosso veleiro. O que sabemos já não basta, é preciso aprender mais; o que fizemos não será suficiente, é preciso ir além; o que já trilhamos foi valioso, mas é preciso inventar novos caminhos. É preciso seguir rotas inéditas.
Mas, o que significa ser inédito? Não se trata de adorar um novo deus, o novo. Aqui, também, são os princípios que valem, e a jornada é mais relevante que a chegada. “Uma obra que se pensa fazer é sempre um destino que se inicia”, escreveu José Saramago.
O inédito é uma disposição do espírito, a atitude de permitir-se viver versões diferentes de si; redescobrir saberes, competências e talentos relegados à poeira cinzenta das rotinas; é enfrentar o medo do desconhecido, gostar do frio na barriga da invenção, lançar-se no vazio desconhecido. Cada professor vive, a cada dia, a opção entre repetir-se ou recriar-se. E, neste sentido, ser inédito é um gesto de rebeldia e de ação.
Mas, essa não é a única face do ineditismo, que pode ser também um ato de resistência. Vem do escritor Frei Betto, em uma carta a um amigo escrita há alguns anos, a ideia de que ser inédito é um jeito de resistir – resistir à edição que nos vem imposta pelos modismos, pelo consumo desenfreado, pelo óbvio e pelas ideias prontas, pelo enquadramento às regras postas e aos costumes arraigados, pelo senso comum. Nesse sentido, ser inédito é recusar ser docilmente conformado pelo que não nos identifica. É ser autêntico, autoral, protagonista, fiel a si e aos próprios valores.
Às portas de 2023, vale a pena refletir sobre o que queremos ser. Em qualquer caso, que os próximos 12 meses sejam tempos de diálogo entre a resistência e a ação, o aprendizado e a invenção. Como Jano, vamos sempre ter em nossas retinas a memória do que vivemos, aquilo a partir do que nos constituímos. Mas, também, desejamos que sua vista alcance o novo, e que brilhe em seus olhos a incrível experiência do inédito da vida.