Quanta saudade temos, hoje, de nossas festas de aniversário. Sejam as nossas próprias, ou de nossos filhos, sobrinhos, netos, familiares e amigos. A confraternização pela comemoração de mais um ano de vida e convívio que sempre fez parte de nossa cultura, a alegria de estar presente e presentear a quem amamos, unir nossas vozes em longas conversas, cantar e celebrar a união, entre sorrisos soltos e música está temporariamente interrompida pelo momento tão difícil que nos foi imposto.
É bem verdade que nossas comemorações vinham sofrendo uma alteração muito significativa pelas facilidades que o mundo mais interativo nos trouxe. Estas considerações podem ser lidas no texto: “Festa de Aniversário”, aqui mesmo em nosso blog.
De qualquer maneira, estamos vivendo também um período em que o principal ingrediente afetivo de nossas festas não está presente: o convívio corporal. Não é possível o encontro. Somos seres humanos, e nossa espécie tem como característica marcante a formação de grupos sociais, familiares, de lazer, desporto e a distância exigida nos fere muito profundamente em nossa própria essência.
Diante deste fato, as festas de aniversário, como todo o resto, foram afetadas de forma muito significativa. Nosso verbo “aglomerar” não pode mais ser conjugado. Mas o quanto isso pode afetar nossa saúde mental? O que fazer com nossas crianças, que terão seus “álbuns de aniversário” preenchidos com esta lacuna? Do ponto de vista histórico, estamos certos de que a justificativa é bastante plausível: estamos vivendo uma pandemia e a nossa integridade física e nossa vida estão sendo, em certa medida, preservadas.
Ocorre que as memórias afetivas de nossas crianças podem ser contempladas de outras formas. Os aniversários podem ser comemorados com festa e alegria, com as ferramentas de que dispomos, e podem fazer presença nas doces lembranças de infância que estão sendo construídas no agora, para serem desfrutadas no futuro. Isso merece nossa atenção.
Assim como fomos nos adaptando aos bolos e docinhos encomendados, à entrega das festas aos “buffets” tão especializados, deixando de lado os momentos de preparação do evento, podemos também nos adaptar às dificuldades atuais. Para isso, as mesmas ferramentas que nos possibilitam o trabalho remoto podem e devem estar à nossa disposição para nos ajudar neste afazer tão especial: a festa de aniversário. Para que isso seja possível, basta que nos lembremos que o amor, o afeto, a saudade e o desejo de estar junto (ainda que não seja possível estar perto), e o fato de “ser lembrado” são os reais ingredientes das nossas festas. Quem não se lembra de ter ficado imensamente feliz em receber um simples telefonema de alguém muito querido? Ou quem sabe, num tempo mais remoto, de ter recebido uma “carta” com felicitações, um cartão de aniversário?
Sim, é possível fazermos deste, um momento menos doloroso. O afastamento exigido não precisa necessariamente nos conduzir à solidão. Nossos melhores sentimentos seguem à disposição de quem amamos, de quem somos saudosos, de quem guarda em nós alguma importância. O beijo, o abraço e um aperto de mão são a materialização dos nossos sentimentos. Estes últimos são imateriais. Os sentimentos que nos compõem seguem vivos e prontos a serem servidos, e assim deve ser.
Quem sabe devamos focar na questão central de nossa humanidade e estarmos mais disponíveis à uma chamada de vídeo, uma conferência, uma carta afetuosa ainda que por “e-mail”, um áudio enviado por qualquer aplicativo, contendo nossa voz a declarar nosso amor, nossos votos de felicidades e vida longa, ou providenciarmos um “delivery” para a entrega de um bolo ou um presente? Façamos isso, em nome da manutenção de nossos bons sentimentos, de nossa cultura e de nossa mais profunda raiz humana.
Porque, tão importante quanto os encontros, os abraços e o convívio, é alimentarmos, uns nos outros, a certeza de que somos importantes, somos amados, somos bem-vindos, e que, mesmo longe nas festas, somos todos presentes.