por Aluah Bianchi

Todos os dias, bem cedo, abro meu e-mail e já busco saber se Telma ou Piti  enviaram algo para nós, assinantes da Diálogos. Sou assinante há muitos e muitos anos e  nunca deixei de me surpreender com a boniteza do que vem. Seja no envelope, seja no  “e-meio”, elas sempre encontram um meio de colaborar com meu processo  autoformativo. Foi aí que, no dia 17 de janeiro, pela manhã, após ter ficado envolvida na  criação de um inventário até bem tarde na noite anterior, abri meu e-mail e, para minha  surpresa, eis que lá estava a missiva de Telma: “Inventários: tema de estudo para você se  aprofundar!”. Acho que depois dessa vou fazer como João Anzanello Carrascoza e  começar a inventariar coincidências. Bem, coincidência ou sincronicidade, recebi o convite da Telma para narrar a experiência desse meu inventário.  

Na semana passada, estava realizando uma formação para coordenadoras  pedagógicas em que busquei entrelaçar meus estudos sobre os sentidos, realizando uma  costura entre a antropologia dos sentidos de David Le Breton e a experiência estética das  escolas de Reggio Emilia, a partir de livros importantes como “Diálogos com Reggio  Emilia”, “Arte e criatividade em Reggio Emilia” e “Crianças, espaços, relações: como  projetar ambientes para a educação infantil”. Além disso, sustentei minhas ideias em  diversos materiais (muitos deles enviados pela Diálogos em anos anteriores, como os  cadernos Palavras e os mapas de visitação) e principalmente no livro escrito por Mônica  Guerra: Exercícios de olhar para encontrar o mundo.  

Esse livro me acompanha desde novembro do ano passado, provocando-me a  inventa(ria)r ainda mais. Digo ainda mais, pois já me considero uma boa “inventariante”,  utilizando a expressão de Gabriela Romeu. Explico: sou inventariante desde muito  pequena e hoje tenho inventários de tons de azul, de objetos da minha década dos 20, de  objetos da minha década dos 30 (e agora estou começando meu inventário dos 40, cada  vez mais atenta às minúcias do meu existir no mundo, conforme a idade vai aumentando).  Catalogo livros que me fizeram chorar, listo as vezes em que chorei de rir, as praias que  conheci, as pessoas que me comoveram. Inventario cenas do meu cotidiano, por fotos e  cores. 

Voltando a falar da semana formativa, propus às coordenadoras novas formas de  ver, tocar, olfatear, saborear e escutar na coordenação pedagógica. Procurei realizar uma  crítica às pedagogias transmissivas, que amputaram nossos sentidos, submetendo-nos a  uma cegueira coletiva que não é capaz de enxergar o sutil, a uma insipidez olfativa dos  espaços, à privação do tato e do paladar em salas e corredores e refeitórios lisos e insossos,  ao aniquilamento absoluto das chances de nos guiarmos pela escuta da nossa própria  curiosidade e de vivermos nossas experiências de humanização de forma profunda na  escola. Tive então a intenção de não ficar apenas em explanações orais, mas também  propor convites reais ao grupo, já que estávamos on-line: em cinco dias, um dia para cada  sentido fazer mais sentido. Solicitei que parassem para observar alguma pequena coisa de  seu entorno e seguissem o que Monica Guerra aconselhou: “Não há necessidade de  procurar a excepcionalidade fora das coisas, porque a originalidade e o extraordinário já  estão ali, naquilo que olhamos e sobretudo na forma como olhamos”. Após uma  observação minuciosa de um objeto à primeira vista prosaico, pedi que cada uma tirasse  uma foto e me enviasse. Meu desejo era inventariar os olhares, queria saber delas por  meio de uma leitura de suas escolhas, de seus enquadramentos, de suas formas de  enxergar. Foi aí que nasceu o “Inventário das pequenas coisas das grandes  coordenadoras”, em que organizei esses fragmentos visuais e autorais em um documento  que se tornou uma memória coletiva do grupo. 

Colecionar, inventariar, cartografar são ações que abrem a possibilidade de  vislumbrar um cotidiano insólito, em que as coisas reais, por trás do invólucro da  insignificância, são descobertas em seu valor extraordinário. Que continuemos a buscar  ferramentas para, como disse Manoel de Barros, encontrar a exuberância no ínfimo.

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