A Editora Diálogos Embalados relançou o livro “Espaços Afetivos: habitar a escola”, de Rayssa Oliveira, que fez muito sucesso entre nosso clube de livros para formação de professores. Com prefácio de Ana Beatriz Goulart de Faria, a obra traz uma abordagem inovadora sobre o tema dos espaços escolares na educação infantil. Em contraste com obras convencionais, que focam na relação entre arquitetura e pedagogia, ela destaca a experiência das crianças nos ambientes escolares. Em entrevista ao blog da Diálogos, Rayssa desenvolve um trabalho centrado na escuta das crianças, incorporando suas percepções e afetos através de diálogos, desenhos e fotografias. Ela conecta essas narrativas infantis com embasamento teórico em arquitetura e estudos das infâncias, promovendo uma reflexão sobre como as crianças constroem significados e habitam os espaços escolares de maneira singular. Confira entrevista completa:
Como surgiu a inspiração para escrever “Espaços Afetivos: Habitar a Escola”?
Este livro é um desdobramento do meu trabalho de conclusão de curso na faculdade de arquitetura. Boa parte dele foi escrita naquele momento, em 2014, quando realizei a pesquisa, visitei as escolas e vivenciei esse processo de observação, conversando com as crianças e registrando desenhos. Sete anos depois, veio a segunda etapa de retomar essa pesquisa, somando com o que eu já vinha experimentando na prática como formada e educadora, e reunindo tudo isso neste formato. Quando a pesquisa começou, era muito mais a partir de uma perspectiva arquitetônica, e sinto que depois caminhou mais para dentro da escola, que foi o meu percurso formativo.
Topofilia é o elo afetivo entre a pessoa e o lugar ou ambiente. Como se dá essa conexão afetiva com a escola?
Sobre a conexão afetiva com a escola, Yi-Fu Tuan, geógrafo chinês que cunhou o termo topofilia, também menciona que um espaço se torna lugar quando estabelecemos uma conexão significativa e atribuímos valor a ele, tornando-o um lugar. Essa conexão também ocorre por meio da dimensão temporal. É necessário tempo para transformar um espaço em lugar, para que haja uma relação significativa. Se pensarmos na qualidade dessa relação afetiva e nos sentimentos envolvidos, dependerá de inúmeras camadas, como a qualidade das interações com as pessoas, adultos e crianças, a quantidade de tempo que passamos em cada espaço disponível, se os momentos são sempre supervisionados ou controlados, ou se é possível fazer escolhas sobre como queremos estar em cada espaço e o que queremos fazer ali. Acredito que as escolas que oferecem maior liberdade às crianças para explorarem diferentes lugares como ambientes de aprendizagem permitem que relações mais profundas e enriquecedoras aconteçam, possibilitando que cada criança encontre o lugar que lhe agrada e que lhe faz bem, seja um espaço ao ar livre, mais aberto, ou um cantinho mais escondido e menos exposto ao coletivo. Cada criança tem suas necessidades, assim como momentos diferentes de necessidades, e o que é belo nas crianças é que elas estão mais abertas a reinterpretar os espaços, criando diferentes relações. Por exemplo, uma escada pode ser um cantinho para conversas, uma moita pode ser um esconderijo, um corrimão pode ser o local de refúgio no jogo de pega-pega.
Você diz que o chão da escola deve receber pegadas, vestígios, rastros. Poderia falar mais sobre isso?
Sobre os rastros na escola, gosto de começar pensando que, para haver rastros de uma caminhada, por exemplo, é preciso um chão que seja afetado por esse caminhar, que se altere com o peso, o movimento. Por exemplo, caminhar na areia da praia, na terra de uma trilha, ou até mesmo passos repetidos em um gramado vão deixando marcas ao longo do tempo, percebendo-se ali vestígios de quem caminhou antes de nós, suas escolhas e eventos. Levando essa ideia para dentro da escola, me faz pensar em como podemos ter escolas menos esterilizadas, que não estejam o tempo todo preocupadas em manter um espaço sem rastros, do ponto de vista da limpeza. Atualmente, vemos muitas escolas que oferecem um ambiente sensorial raso, frio e homogêneo, com a presença predominante de materiais como porcelanatos, azulejos e vinílicos, priorizando a limpeza em detrimento da relação da criança com o espaço e a paisagem. Estar em um ambiente com diversidade de materiais, texturas e com elementos naturais nos proporciona maior conforto ambiental e térmico, trazendo aconchego e dialogando com a ideia de que tudo ensina, tudo reflete intenções políticas, pedagógicas e sociais sobre o que queremos para as pessoas e para o mundo. É importante ressaltar que desejar rastros e vestígios é reconhecer a presença de terra, tinta, água, carvão e tantos outros materiais que fazem parte da infância e do estar no mundo, e compreender que o uso cotidiano desses materiais não está relacionado à sujeira. Por fim, deixar rastros é contar eventos. O rastro de uma caminhada, por exemplo, não é apenas uma pegada no chão, mas também as fotos registradas durante o percurso, os desenhos em um caderno, as conversas realizadas…
Como foi o contato e qual a importância da Diálogos em seu trabalho?
Sobre a Diálogos, conheci as meninas no momento em que estava com o financiamento coletivo do meu ateliê itinerante aberto na internet, em 2019. Foi um momento muito importante, elas foram parceiras e super incentivadoras daquilo que eu estava sonhando e compartilhando com o mundo como uma possibilidade. Desde então, seguimos próximas; ocupei o quintal da casa antiga com cursos e ateliês com o Andorinha. Posteriormente, eu e minha querida xará Raissa Cintra recebemos o convite para oferecer um grupo de estudos na casa, que migrou para o online devido à pandemia, e cujo percurso se transformou em um livro. Além disso, acreditaram na minha escrita e na minha jornada ao me convidarem para publicar este livro, “Espaços Afetivos”. Sou extremamente grata por isso!
Conheça o livro! https://clube.dialogosviagenspedagogicas.com.br/espacos-afetivos
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